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"Um Marido Fiel", da Netflix, ignora inteligência do público

"Um Marido Fiel", da Netflix, ignora inteligência do público

"Um Marido Fiel" tem algumas boas viradas, mas se perde na necessidade constante de criar tensão com policiais incompetentes e muletas de roteiro

Publicado em 29 de agosto de 2022 às 20:15

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Filme
Filme "O Marido Fiel", o primeiro filme dinamarquês da Netflix. (ANDREAS BASTIANSEN/Netflix)
Autor - Rafael Braz
Rafael Braz
Colunista de cultura / [email protected]

Os escritores dinamarqueses Anders Rønnow Klarlund e Jacob Weinreich ficaram famosos com a trilogia de thrillers policiais “O Último Homem Bom”, “O Sono e a Morte” e “A Santa Aliança”, lançados sob o pseudônimo de A. J. Kazinski. A ideia do pseudônimo era deixar clara a separação entre os autores dos livros e os trabalhos de cada um deles na indústria de cinema dinamarquesa. Os livros foram sucesso mundo afora, inclusive no Brasil, e a dupla resolveu dar sequência com um novo gênero e sob um novo pseudônimo: Anna Ekberg.

“Um Marido Fiel”, primeiro livro de Ekberg, se transformou também no primeiro filme dinamarquês original da Netflix. Nele, a diretora Barbara Topsøe-Rothenborg volta a trabalha com texto de Klarlund após a minissérie “Hvide Sande” (“Areias Brancas”, na tradução literal), para contar uma história de crime e romance que tem tudo a ver com a literatura dinamarquesa das últimas décadas.

“Um Marido Fiel” é uma história sendo contada de pai para filha, um exemplo de “como o amor pode ser perigoso”. Um policial (Mikael Birkkjær) fala para sua filha (Karina Petersen) sobre um crime que acabamos de presenciar, um cruel atropelamento seguido de fuga, um caso dado como encerrado, mas cuja resolução nunca o convenceu.

Logo somos levados a conhecer os envolvidos, o casal Christian (Dar Salim) e Leonora (Sonja Richter). Durante uma madrugada, ele recebe uma mensagem no telefone e impede que a esposa leia; a discussão vira uma briga com direito a ofensas e telefone arremessado na parede. Na manhã seguinte, Leonora se esforça para pedir desculpas e colocar panos quentes na briga, mas logo vemos que Christian de fato tem uma amante, Xenia (Sus Wilkins), que está dando um ultimato para ele largar a esposa.

Filme
Filme "O Marido Fiel", o primeiro filme dinamarquês da Netflix. (ANDREAS BASTIANSEN/Netflix)

Antes de chegar ao acontecimento de sua abertura, “Um Marido Fiel” é um drama familiar. Christian quer largar a esposa para viver com a amante, mas Leonora se recusa, joga na cara dele todo o sacrifício feito por ela, que abdicou de uma carreira de musicista para cuidar do filho, e ameaça expor informações importantes da empresa do marido. Chegamos então à violenta cena inicial.

“Um Marido Fiel” surpreende com uma construção de personagens atípica. Inicialmente é impossível não simpatizar com Leonora, a esposa traída, trocada por uma mulher mais jovem enquanto se sacrificava pela família. O texto, no entanto, apresenta viradas desde a metade do filme, levando-o para outros rumos completamente diferentes e até inesperados; Christian continua não sendo um sujeito muito legal, mas o olhar do espectador para Leonora é transformado com o tempo.

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Filme "O Marido Fiel", o primeiro filme dinamarquês da Netflix. (ANDREAS BASTIANSEN/Netflix)

Essa escolha de desenvolvimento é arriscada, mas parece alcançar o resultado esperado pela diretora e pelos autores. O filme cria um relacionamento tóxico e abusivo inicialmente a partir de Christian, mas Leonora ganha camadas com o tempo em uma manobra que quase parece querer justificar as escolhas de seu marido, o que vimos no início do filme.

É curioso como essa construção gera uma repulsa inicial ao que estamos vendo - que tipo de história quer sustentar a morte de uma mulher com o seu comportamento, com a desculpa de que “o amor mata” ou que se mata por ciúmes, por "amar demais"? Com o tempo, porém, a impressão é de que o texto reforça isso justamente para que sua virada ganhe mais impacto, mas acaba dependendo de que o espectador apague as impressões iniciais sobre tudo.

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Filme "O Marido Fiel", o primeiro filme dinamarquês da Netflix. (ANDREAS BASTIANSEN/Netflix)

“Um Marido Fiel” é interessante ao colocar a narrativa nas palavras de um observador. O narrador não tem todas as informações sobre o ocorrido, especula, conta a história com o conhecimento que tem, mas a narrativa vai completando lacunas da trama. Apesar disso, o texto depende muito da suspensão da descrença do espectador, ou seja, que o público simplesmente aceite o que vê em tela sem questionar nada.

O roteiro se esforça para permanecer próximo do real, mas exige, por exemplo, que acreditemos não haver câmeras de segurança em estradas ou hotéis super chiques. A sequência final é risível na construção de tensão - talvez estejamos diante dos policiais mais incompetentes da Dinamarca - e encontra uma solução quase ridícula se analisada sob um prisma de realidade.

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Filme "O Marido Fiel", o primeiro filme dinamarquês da Netflix. (ANDREAS BASTIANSEN/Netflix)

Se você for capaz de ignorar algumas escolhas do roteiro, “O Marido Fiel” pode ser uma boa opção de filme, um suspense com momentos tensos, boas atuações e um texto que surpreende com boas viradas. Em contrapartida, se não quiser ter sua inteligência subestimada em vários momentos importantes, há filmes e séries melhores na Netflix ou em outra plataforma.

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