
Uma advogada foi condenada a sete anos de reclusão — em regime semiaberto —, pelos crimes de extorsão e exploração de prestígio. De acordo com sentença judicial, ela cobrava de um preso, sob ameaças de que poderia até ser morto, valores que afirmava serem destinados ao pagamento de um desembargador. O suposto objetivo era obter a soltura do detento.
Com a extorsão obteve cerca de R$ 855 mil, além de um apartamento avaliado em quase R$ 750 mil e a quitação de passagens e hotéis em Brasília. E usou a conta do irmão, absolvido das acusações, para receber o dinheiro. Ela nega as acusações (veja abaixo).
“Restou demonstrado que a denunciada Luana Gasparini, utilizando-se do nome do eminente desembargador e, em detrimento deste, auferiu indevidas vantagens”, diz o texto da condenação do Juízo da 3ª Vara Criminal de Cachoeiro de Itapemirim. Diz ainda sobre as provas existentes no processo: “Comprovam não só a prática da extorsão, mas também a exploração de prestígio, ao afirmarem que a vantagem desejada também seria destinada a funcionário público (desembargador)”.
Como ocorreram os fatos
As extorsões, que segundo a Justiça ocorrem quando o agente coage a vítima a entregar algum bem ou valor usando violência ou grave ameaça, iniciaram por volta do ano de 2018.
Na ocasião, a vítima estava no Centro de Detenção Provisória de Cachoeiro de Itapemirim (CDPCI), em prisão preventiva. E continuaram mesmo quando ele foi transferido para o Centro de Detenção Provisória de Viana (CDPV II).
São listados na sentença pelo menos 14 comprovantes de pagamentos feitos a advogada, totalizando cerca de R$ 855 mil. Além de um apartamento que para ela foi transferido. Imóvel que, em seu interrogatório, ela declarou: “Fechamos o contrato no valor de R$ 750 mil”. Em outro ponto ela diz sobre um veículo, um Corolla, que também entrou na negociação. “Peguei por R$100 mil”.
Para viabilizar a transferência do imóvel para o nome da advogada, um servidor de cartório foi ao presídio para que o documento fosse assinado. “Para fazer a venda do apartamento era preciso uma procuração; então o rapaz do Cartório de Viana foi até a prisão colher uma procuração e depois eu fiz a transferência do imóvel”, informou uma testemunha, em Juízo.
Na sentença é dito que os valores foram entregues em um “momento de fragilidade da vítima, com a narrativa de situações que o fizeram entregar o dinheiro”. E ainda que “a acusada (advogada) constrangeu a vítima, mediante grave ameaça, com o intuito de obter para si indevida vantagem econômica acima mencionada, movida pelo desejo de acréscimo patrimonial”.
Ao preso era dito que ele “apodreceria na cadeia”, “apanharia”, que “corria grave risco de vida”, pois “estuprador morre na cadeia” e ainda “que a qualquer momento algo poderia acontecer”.
À Justiça a vítima, que por este motivo o seu nome não está sendo revelado, relatou que fez vários pagamentos para a advogada. “Não sei dizer os valores e datas exatas de cabeça; eu estava preso e fiquei com muito medo(...)”.
O alvo das extorsões foi detido em decorrência de duas operações realizadas pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES), relacionadas a pedofilia e corrupção.
O desembargador
O nome do desembargador, que não está sendo informado por ser vítima, foi usado sob o argumento de que ele seria o “responsável” pelo processo e que poderia prejudicar o detento na prisão.
Na sentença é informado que a advogada disse para o cliente “que um pedido seu equivale a uma ordem para o referido desembargador”, a quem estaria solicitando sua soltura, condicionada aos pagamentos.
Ao integrante do Judiciário seria destinado, inclusive, o apartamento que recebeu, com o objetivo de garantir a libertação. Ocorre que na data em ela recebeu a transferência do imóvel, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já havia deferido, por liminar, a revogação da prisão preventiva do detento.
“O conjunto probatório é firme em comprovar a forma mais gravosa do crime de exploração de prestígio. Do conjunto extrai-se que a vantagem ilícita exigida pela ré seria também destinada ao desembargador sobre o qual a falsa influência era exercida”, diz o texto.
Além da condenação, é informado na sentença que, após o trânsito em julgado a Justiça Eleitoral deverá ser comunicada para a suspensão dos direitos políticos de Luana, enquanto durar o cumprimento da pena.
Irmão absolvido
Junto com Luana, seu irmão, Elizeu Antonio Gasparini Filho, chegou a ser denunciado pelo Ministério Público do Espírito Santo (MPES), pelos mesmos motivos. Ele morreu antes da conclusão do processo. Mas além de declarar a extinção da punibilidade, o juiz decidiu fazer uma espécie de homenagem ao réu.
“Deixo, apenas para fins de registro histórico, o entendimento de mérito que já estava pronto quando do evento óbito, em especial, por se tratar do reconhecimento do pedido de absolvição da defesa, para, ainda que sem qualquer efeito legal, possa restaurar o nome e a dignidade do falecido”.
E relatou que durante o processo ficou claro que Elizeu não participou da "empreitada criminosa”. E finalizou: “Impõe-se a absolvição.”
A conclusão foi a de que Luana utilizava a conta bancária de seu irmão para receber depósitos feitos pelo preso. “Uma vez que a mesma estava com o nome ‘negativado’ e por isso os honorários advocatícios referente ao escritório ingressam na conta identificada como de Elizeu”.
O que diz a defesa
Procurada, a defesa de Luana informou que o processo está em segredo de Justiça e por isso não se manifesta. Acrescentou que ela foi absolvida por unanimidade pelo Conselho Pleno da OAB-ES, órgão máximo da instituição, pelos mesmos fatos de sua condenação judicial, no final de 2024.
Em seu depoimento, a advogada nega as acusações e informa que recebeu sobre os serviços prestados ao preso, que se tratava de um caso complicado, com ações necessárias até no STJ. Disse ainda que foi o detento que ofereceu o imóvel como pagamento.
E sobre o desembargador, informa “que ele não tem nada a ver com esse processo” e que “foi um codinome usado apenas”. “É uma pessoa de reputação ilibada e não tem nenhum relacionamento com os fatos”, disse.
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