De um lado estão as pessoas que denunciaram as ações de facções criminosas. Do outro as que presenciaram ou foram vítimas de crimes praticados por quem deveria defendê-los, os agentes de segurança do Estado, alguns deles envolvidos em milícias. Os dois grupos compõem o novo perfil de quem depende do Programa de Proteção a Vítimas e Testemunha Ameaçadas no Espírito Santo (Provita-ES) para se manter vivo.
No próximo dia 13, a Lei 9.807/99 que criou o projeto completa 25 anos no Brasil. Mas em solo capixaba os trabalhos começaram dois anos antes, e desde então precisou aprimorar suas práticas protetivas para enfrentar as novas configurações criminosas e sua forma de atuação. “Hoje, metade das pessoas que buscam apoio fogem do tráfico e a outra metade das polícias e milícias”, relata a coordenadora do Provita-ES, Verônica Bezerra.
No período foram protegidas 711 pessoas, uma média de quase 30 casos por ano. Atualmente encontram-se sob proteção 42 pessoas. A maioria são homens, pretos e pardos, de meia idade, com renda de até um salário mínimo. Verônica destaca que a grande conquista do Provita-ES foi nunca ter perdido uma vida. “Em todos esses anos, nunca ninguém foi localizado ou morto”, assinala.
O projeto surgiu no Estado com o elevado número de execuções de testemunhas em processos criminais, principalmente vinculados ao crime organizado e grupos de extermínio, nas chamadas “queimas de arquivo” no final dos anos de 1990. As pessoas eram ameaçadas pelo fato de testemunharem crimes graves.
“Já são 25 anos contribuindo para a redução da impunidade, proteção de vidas com qualidade e garantia de acesso aos bens e serviços inerentes aos direitos fundamentais, com um processo protetivo embasado na Pedagogia da Proteção e com realização dos Direitos Humanos", explica Verônica.
Em média, o acolhido permanece em torno de 1 ano e 5 meses sendo protegido. Mas já houve casos em que as pessoas permaneceram por mais de 10 anos, devido a quantidade de processos em que participavam como testemunha e o alto risco que estaria exposto fora do esquema de proteção, além da morosidade processual.
A pessoa ameaçada, junto com a família, é retirada do local de risco e levada para outro território. É acompanhada por equipes especializadas, recebe apoio jurídico, psicossocial e há um trabalho de reinserção social. Quando necessário, é oferecido uma ajuda de custo para manutenção de despesas mensais. Também são acolhidas pessoas de outros estados, assim como capixabas, em algumas situações, são enviados para outras localidades.
Após a finalização do processo judicial, as pessoas saem do programa e seguem com suas vidas, sendo orientadas a não retornar para o local da ameaça. Há situações em que voltam para o programa, caso sejam novamente ameaçadas ou fatos novos aconteçam. Segundo a coordenadora do programa, em geral os acolhidos conseguem sair com mais qualidade de vida.
Os envolvidos em realizar a proteção não dão detalhes de como os cuidados são desenvolvidos, mas sabe-se que nos últimos anos, com a expansão das facções criminosas e sua capilaridade em várias regiões, o programa precisou aprimorar suas práticas protetivas.
“Temos um comprometimento com o direito à vida e com o enfrentamento à impunidade. Quando a pessoa ingressa no programa, precisa romper com sua história e estar disposto a iniciar uma nova caminhada. Para nós é muito satisfatório ajudar esta pessoa a sair de uma situação de violação de direitos e dar a ela uma vida com qualidade”, pondera Verônica.
Desafios
No princípio, o Provita enfrentou escassez de recursos financeiros para sua implementação. Realidade que mudou a partir de 2011, quando os programas de proteção passaram a ser incluídos no orçamento do Estado. Só no Provita-ES o investimento, no período de 36 meses, é de R$10.646.826,16, dos quais 80% vem de recursos do Estado.
A secretária de Estado de Direitos Humanos, Nara Borgo, destaca que no Espírito Santo esta é uma política pública de alta complexidade e de extrema importância. “Por meio dos programas de proteção muitas vidas são salvas, e a vida é o direito fundamental mais importante”, enfatizou.
Observa ainda que a segurança oferecida pelo programa tem colaborado com a Justiça. “Quando a testemunha ou vítima se sente protegida, consegue fazer uma denúncia ou relatar um fato ao juiz. O que ajuda no desenvolvimento dos processos, na punição de criminosos”.
No Espírito Santo, desde que foi criado, a execução do Provita-ES está sob a gestão do Centro de Apoio aos Direitos Humanos Valdicio Barbosa dos Santos (CADH), que possui uma longa história de atuação no enfrentamento à impunidade e à criminalidade.
“É filiado ao Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH) e com status consultivo na Organização das Nações Unidas (ONU). Possui uma rede de proteção robusta e comprometida, um conselho deliberativo atuante e representativo e uma equipe técnica altamente qualificada”, relata Verônica.
Além do Provita, o Estado conta ainda com o Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM) e se prepara para retomar o Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH).
Nesta terça-feira (9), haverá uma sessão no Senado Federal em alusão aos 25 anos da lei de proteção, e contará com a participação do ministro dos Direitos Humanos Sílvio Almeida.
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