Mais dois profissionais afirmam ter sido eliminados de um concurso da Secretaria de Educação (Sedu), do governo do Espírito Santo, por serem autistas, assim como aconteceu com a professora de História Marina Vieira Lana, de 30 anos. Conforme A Gazeta revelou, ela foi barrada da seleção, conseguiu uma liminar para ocupar a vaga, mas depois foi exonerada por determinação da Justiça.
Os outros professores também alegam ter passado por situações constrangedoras durante a avaliação da perícia médica, sendo impedidos de permanecer na disputa.
Os candidatos tiveram o diagnóstico tardio de autismo e tentaram ingressar no quadro efetivo em vagas de pessoa com deficiência (PCD). Entretanto, relataram que foram eliminados por terem o transtorno.
O professor de Filosofia Wendell Leonardo Pereira, de 45 anos, é um dos casos. Atualmente, ele tem contrato temporário com a pasta para dar aulas em duas escolas e ainda é docente em uma universidade.
O candidato recebeu o diagnóstico de Transtorno de Espectro Autista nível 1 no final de 2021 e levou laudos de vários profissionais diferentes para avaliação. Segundo ele, havia apenas uma vaga para PCD na cadeira de Filosofia em todo o Estado.
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O concurso da Sedu foi aberto no início de 2022 e as provas objetivas e discursivas foram aplicadas em março do mesmo ano. Os aprovados foram convocados para as demais etapas no final do ano passado, para assumirem os cargos em janeiro. O certame ofereceu um total de 900 vagas para professores e pedagogos.
"Quem me atendeu foi uma médica de esporte, que não tinha especialização na área. Minha advogada apontou que não havia nenhum especialista em autismo fazendo a perícia", acrescentou.
Pereira — que também tem um filho autista — recorda que, quando era mais novo, era tachado de sonso, distraído e displicente, quando ainda não tinha a diagnóstico.
“Tenho Carteira de Identidade que me reconhece como autista e que foi emitida pela Secretaria de Segurança, mas a Sedu, não [me reconhece]. Isso é muito incoerente. Penso no meu filho e em outros autistas que passam por situações semelhantes e não vou desistir dos meus direitos”, afirma.
Wendell Leonardo Pereira entrou na Justiça, e o desembargador permitiu que ele continuasse na lista de aprovados, porém o professor ainda não tomou posse no cargo.
“Tomo remédio todos os dias, desenvolvi estratégias para conseguir viver melhor, como é o caso de olhar entre os olhos das pessoas porque aprendi que quem desvia o olhar não transmite confiança. O perito chegou a me dizer que eu não era autista porque olhava nos olhos, além de usar um tom de voz intimidador. Acredito que a reprovação pode ter sido em razão de alguns fatores, como o direito do autista de se aposentar mais cedo ou pedir redução de carga horária”, comenta Pereira.
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Outra candidata que passou pela mesma situação foi Brenda Martins Xavier, 30 anos, que disputava uma vaga de professora de Língua Portuguesa, também nas cotas PCD. O diagnóstico veio há três anos, tardiamente, assim como ocorreu com Wendell e Marina, porque a ela e o marido perceberam que, em momentos cotidianos, ela se incomodava de modo desproporcional.
“O dia da perícia para mim foi um dia de horror. Eu fiquei superansiosa o dia anterior e, no próprio dia, não dormi direito, porque é uma situação imprevisível, e isso é muito difícil de lidar no autismo. Quando eu cheguei lá, fui munida de diagnóstico da psicóloga como documento complementar e o da neurologista, emitido naquele ano com CRM e RQE da especialista, como era pedido pelo edital”, ressalta.
A psicóloga de Brenda a acompanhou para fazer o laudo, e esse processo demorou cerca de dois meses. Só depois é que ela procurou uma neurologista, mas, nessa época, a pandemia de Covid não permitia consulta presencial. A moça procurou uma médica especializada em autismo e que tivesse experiência com o transtorno em adultos, porque não queria correr o risco de haver um engano.
“No dia da perícia, expliquei que tinha um laudo da psicóloga, e eles só alegaram que ‘psicóloga não é médica’, nem leram. Para mim, isso demonstrou desconhecimento do processo para ser laudado como autista, porque exige uma equipe multidisciplinar. Quando souberam que eu era casada, basicamente disseram que eu não podia ser autista porque namorava. Tentei explicar que o meu namoro foi atravessado por um bilhão de questões relacionadas ao autismo, mas não conseguia concluir as respostas, porque eles jogavam mais e mais perguntas”, relata Brenda.
A professora reforça que estava muito nervosa na ocasião e que, depois do ocorrido, pensou no fato de como o sofrimento de uma vida toda foi invalidado.
"Me pediram uns exames complementares para eu levar, que são caríssimos, feitos em lugares muito específicos e são para autistas crianças. Eu sou uma mulher adulta e com laudo tardio, eles sabiam disso. Não consegui os exames complementares. Cheguei a acionar um advogado, mas não consegui nem por recurso permanecer no concurso. A perícia foi um dos momentos mais humilhantes da minha vida, sem dúvida”, relembra.
A Sedu informou, em nota, que todas as informações referentes ao concurso Seger/Sedu n° 01/2022 constam no Edital 01/2022, inclusive prevê a desclassificação do candidato PCD que não for aprovado na etapa de perícia médica, que é feita pelo Instituto de Previdência dos Servidores do Espírito Santo (IPAJM).
“A secretaria informa, ainda, que essa fase é realizada por médicos peritos, trabalho esse que consiste em avaliar a capacidade laboral do candidato/servidor, e que também seguiu regras estabelecidas no edital de abertura e nas legislações de amparo vigente”, diz a nota.
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