Curso de Residência
Vale
A arte contemporânea transcende espaços e muros e chega às comunidades periféricas de todo o Brasil como expressão de identidades e vivências plurais.
Neste mapa da diversidade cultural, projetos traçam transformações de vidas. No Espírito Santo, Juh D’Lyra foi responsável por movimentar jovens de várias comunidades da Grande Vitória, mostrando que a poesia pode se tornar uma ferramenta de transformação social. É o grupo Slam Quimera mandando a letra.
Em Recife, Pernambuco, a dança como forma de expressão da juventude foi registrada pelos olhares da dupla de realizadores de vídeos e videoinstalações Benjamin de Burca e Bárbara Wagner.
No Rio de Janeiro, Hugo de Oliveira impulsiona o desenvolvimento dos jovens de sua comunidade, o Morro da Providência, por meio do Passinho nas Escolas, que ajuda jovens em evasão escolar a voltarem a estudar, conectando-se com a dança. O projeto foi documentado no curta “O Desafio do Passinho”.
Três frentes de trabalho, em três estados diferentes, que ganharam evidência em um mesmo palco no Espírito Santo. Bárbara Wagner, Benjamin de Burca e Hugo de Oliveira compuseram uma das três mesas da 7ª edição do Encontros com a Arte Contemporânea, realizado no Teatro Universitário Ufes pelo Museu Vale, em seu momento extramuros, nos dias 8 e 9 de outubro.
Criado em 2017, o evento busca promover diálogos e cruzamentos entre diferentes disciplinas, sempre conectadas à arte e a cultura na sociedade brasileira contemporânea. A programação deste ano também contou com a participação do grupo Slam Quimera e de profissionais de diferentes áreas, como a médica de família e comunidade Andreia Beatriz e a artista multidisciplinar Rubiane Maia, que fizeram parte da Mesa 1.
A Mesa 2 foi composta pelos representantes do Projeto Memória Xikrin: a bióloga e antropóloga Isabelle Vidal Giannini e os pesquisadores Bekroiti Xikrín e Bep-kó Xikrín. Além disso, o público conferiu de perto a feira de arte indígena, com representantes dos povos originários Guarani e Tupinikim.
Confira a seguir mais detalhes sobre cada um desses trabalhos.
Descrito como “onde as vozes se encontram e a poesia vive”, o grupo Slam Quimera surgiu em 2022 no bairro Terra Vermelha, Vila Velha.
Slam, ou Poetry Slams, são batalhas de poesia falada que nasceram nos anos 1980 nos Estados Unidos, com textos sobre críticas sociais, política e identidade declamados pelas vozes dos jovens slammers.
“Nosso objetivo é trazer a voz das comunidades. Nós somos a voz da periferia e da cultura contemporânea, nossos textos são ácidos, nossa performance e prosa são diferentes, mas atualmente podemos mostrar a valorização do slam”, destacou Juh D’Lyra, idealizadora do Quimera.
Em Recife, Pernambuco, a dança como forma de expressão da juventude foi registrada pelos olhares da dupla de realizadores de vídeos e videoinstalações Benjamin de Burca e Bárbara Wagner.
O filme autoral “Swinguerra” foi produzido em 2019 e gravado em duas telas para mostrar perspectivas diferentes de uma mesma história com ritmos como o axé, pagode baiano, pop brasileiro, brega, funk e a fusão destes dois últimos dois estilos, que criou o brega funk.
“Essa é uma cultura frequentemente não vista ou apoiada pelo Estado, mas que se mantém pelas próprias pessoas que a fazem. A dança é uma expressão política do corpo”, disse Benjamin.
O artista alemão e a artista recifense também são detentores de outras obras expostas em museus como Masp, MoMa e Inhotim.
Cria do Morro da Providência, como se define, Hugo de Oliveira é artista da dança, educador, pesquisador, gestor cultural e Doutor em comunicação pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e movimenta a transformação nas vidas de jovens de sua comunidade carioca.
Uma de suas iniciativas é o projeto Passinho nas Escolas, que ajuda jovens em evasão escolar a voltarem a estudar se conectando com a dança. O projeto foi documentado no curta “O Desafio do Passinho”.
Outra ação foi a criação da Galeria Providência, museu de arte e história da Favela da Providência criado e construído pelos próprios moradores.
“Me entendo enquanto artista como alguém sempre produzindo a partir dessa relação com a rua, entendendo que todas essas pessoas [da comunidade] são artistas que têm alguma experiência para compartilhar”, afirma.
Nas comunidades como a Providência, a coletividade potencializa mudanças positivas na vida dos moradores. Hugo ressalta a importância dessa união.
“Eu não vejo meu trabalho se não for no coletivo. O diferencial é quando se toma consciência que a arte que essas pessoas [da comunidade] estão produzindo é algo político, que o que nós estamos fazendo tem uma interferência na sociedade. O que é óbvio para alguns, o artista transforma em algo extraordinário”, concluiu o artista.
Na mesa da 7ª edição do Encontros com a Arte Contemporânea, Bárbara Wagner, Benjamin de Burca e Hugo de Oliveira conquistaram reconhecimento pelas iniciativas.
“Os trabalhos de vocês se encontram pelo reconhecimento do valor do trabalho dos que são invisibilizados por meio de expressões culturais e artísticas autênticas no nosso país”, afirmou o mediador Fernando Pessoa, professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) que organizou o evento ao lado da diretora do Museu Vale, Cláudia Afonso.
O tema central da conversa, “A arte como escultura social”, descreve um conceito idealizado pelo artista alemão Joseph Beuys. “Beuys foi o primeiro artista a ser apresentado no Museu Vale, trazendo esse conceito expandido de que todos nós somos artistas com potencial transformador”, explicou Cláudia.
Unindo o Recife ao Rio de Janeiro, os três artistas debateram como suas iniciativas atravessam o mesmo propósito de esculpir a arte como escultura social em comunidades e contextos diversificados.
“O Hugo tem uma prática ‘vizinha’ à nossa, mas pela perspectiva de ser de fato um artista que articulou formas de solidificar expressões artísticas e conseguiu estabelecer em sua comunidade seu próprio palco. Enquanto isso, eu e Benjamin estamos tentando fazer um deslocamento, uma tradução de práticas de outros circuitos para dentro do Museu”, pontuou Bárbara Wagner.
Carol Leal é aluna do 27º Curso de Residência em Jornalismo da Rede Gazeta. Este conteúdo foi produzido dentro do projeto Residente Sombra, uma das ações do programa de imersão, e teve orientação e edição da jornalista Andreia Pegoretti.
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