> >
30 anos do Plano Real: equilíbrio fiscal foi condição para estabilização

30 anos do Plano Real: equilíbrio fiscal foi condição para estabilização

Inflação era "expressão mais perversa" de uma crise econômica crônica com raiz no fiscal, diz exposição de motivos da Medida Provisória que lançou nova moeda

Publicado em 1 de julho de 2024 às 08:03

Ícone - Tempo de Leitura 4min de leitura

BRASÍLIA - Tema central das discussões econômicas atuais, o equilíbrio fiscal duradouro foi alçado a condição fundamental para a estabilização da economia brasileira e o desenvolvimento sustentado a longo prazo na exposição de motivos da MP (Medida Provisória) que, há 30 anos, oficializou o Real como a nova moeda do Brasil.

O ajuste das contas públicas, retratado como "o verdadeiro alicerce" para a criação do Real, foi um dos pilares do Programa de Estabilização Econômica — Plano Real, implementado em três fases entre 1993 e 1994.

"Nosso país está mergulhado há muitos anos numa crise econômica crônica cuja raiz é fiscal, mas cuja expressão mais perversa é a inflação", diz o texto, assinado em junho de 1994 por sete ministros do então governo de Itamar Franco (1992-1994).

Naquele mês, a inflação alcançou os patamares recordes de 47,4% ao mês e 4.922% no acumulado em 12 meses.

Cédulas de dez, vinte e cinquenta reais.
Cédulas de dez, vinte e cinquenta reais. (Fernando Madeira)

O lançamento da moeda foi a etapa derradeira do plano concebido pela equipe coordenada por Fernando Henrique Cardoso no período em que ele comandou o Ministério da Fazenda.

Nas duas primeiras fases, o governo criou o Pai (Programa de Ação Imediata), para reduzir e dar maior eficiência aos gastos, e lançou a URV (Unidade Real de Valor), para quebrar a inércia inflacionária que carregava os reajustes passados para os preços no presente e no futuro.

Após seis planos econômicos fracassados, havia a convicção, expressa na exposição de motivos, de que a vitória sobre a inflação não seria artificial ou efêmera.

"A partir de 1º de julho, com a entrada da nova moeda, os brasileiros começarão a sentir os efeitos da queda decisiva da inflação", diz o texto.

"A partir de agora a inflação passará a registrar uma trajetória de queda significativa e duradoura, sem que se tenha lançado mão, como no passado recente, de expedientes artificiosos ou de medidas discricionárias em flagrante desrespeito às regras contratuais."

No mês de julho de 1994, quando o real começou a circular, a inflação desacelerou para 6,84%.

O documento que fundamentou a MP 1.027/1995, convertida na Lei n.º 9.069 do mesmo ano, foi guardado pelo arquivo do Ministério da Fazenda, em Brasília.

A Folha tentou ter acesso a outros registros históricos da época da concepção do Plano Real, mas a pasta disse que a exposição de motivos e os textos das leis são os únicos materiais disponíveis no órgão.

Parte dos registros se perdeu, como o papelzinho azul em que o economista Edmar Bacha esboçou um conjunto de pontos que balizariam as ações do governo — e que foi triturado no dia seguinte para evitar vazamentos à imprensa. Parte é mantida em acervos pessoais daqueles que participaram da elaboração do plano.

Ainda assim, o texto dá uma ideia das condições em que o Real foi criado e dos preceitos seguidos em sua elaboração.

Logo na segunda página, a exposição de motivos cita brevemente a determinação com que o governo estava "resistindo às pressões pela expansão do gasto".

Em outro trecho, o texto cita a necessidade de promover a desindexação da economia brasileira — outra discussão atual.

O diagnóstico era de que o uso disseminado de índices econômicos para corrigir preços e contratos de forma automática contribuiu para a espiral inflacionária que desaguou na hiperinflação no início dos anos 1990.

"Trinta anos de experiência com a correção monetária baseada em índices de preços demonstram cabalmente a necessidade de eliminar-se ou, ao menos, restringir este instituto para se alcançar a estabilidade monetária plena, sem prejuízo das atividades econômicas", diz.

O documento cita ainda a necessidade de dar sequência a reformas no sistema tributário, nas regras do Orçamento, na organização do funcionalismo e na Previdência Social —algumas delas aprovadas quase três décadas depois, como a tributária.

A exposição de motivos ainda destaca a importância da reforma no CMN (Conselho Monetário Nacional), responsável por definir as diretrizes das políticas cambial, monetária e de crédito.

Desde sua criação, em 1964, o CMN havia passado por sucessivas mudanças e chegou a ter entre seus membros representantes do setor privado, além de um número maior de membros do governo.

No texto de 1994, o governo da ocasião argumentou que, além de "distorcer o caráter de instituição pública do Conselho", as mudanças o tornavam "sensível a pressões advindas de outros integrantes do processo de decisão pública", o que nem sempre estava alinhado com a função de defesa da estabilidade da moeda.

A MP consolidou o desenho que está em vigor até hoje, com o CMN formado pelos ministros da Fazenda, do Planejamento e pelo presidente do Banco Central. O modelo foi alterado apenas no governo Jair Bolsonaro (PL), devido à extinção do Planejamento, mas foi retomado em suas bases originais no atual governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

"Com isso, assegura-se a compatibilidade das ações do Conselho com o objetivo de priorizar a gestão monetária e proteger o real das pressões políticas e econômicas que possam pôr em risco a estabilidade do padrão monetário do país", diz o texto ao defender a tríade na composição do CMN.

Este vídeo pode te interessar

Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem

Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta

Tags:

A Gazeta integra o

The Trust Project
Saiba mais