A equipe econômica e o Palácio do Planalto tentam barrar projetos de lei no Congresso que funcionarão como socorro a setores prejudicados pela pandemia.
A chamada "bomba fiscal" criada pelos projetos de amparo a produtores de eventos, empresas de turismo, donos de bares e restaurantes e agricultores passa de R$ 250 bilhões.
Até o momento, já foi aprovado o programa que ajuda empresas de eventos, com um impacto de R$ 243,5 bilhões em cinco anos.
Mas há outros dois, com votação prevista para esta semana, que auxiliarão empresas do setor de bares e restaurantes, turismo e a agricultura familiar. Juntos, vão gerar gastos de mais de R$ 250 bilhões, a maioria por isenção de impostos e refinanciamento de dívidas.
Aprovado há cerca de dez dias, o Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos) foi ampliado e acabou englobando praticamente toda a cadeia da produção cultural e do turismo.
Aguarda agora a sanção presidencial e a consequente regulamentação para o início da adesão de cerca de 60 mil empresas contempladas.
O programa define uma indenização para empresas que tiveram redução de 50% de seu faturamento entre 2019 e 2020 devido à pandemia. O valor global dessa ajuda será de R$ 2,5 bilhões.
Além disso, suspende por cinco anos o pagamento de impostos (PIS, Cofins, CSLL e Imposto de Renda) e permite a renegociação de dívidas tributárias com descontos de até 70% e prazo de até 12 anos. Débitos previdenciários, no entanto, terão prazo menor (cinco anos).
Durante a tramitação, o governo foi contrário a esse projeto, especialmente no que se refere à renegociação das pendências tributárias. Isso porque, já sem recursos no caixa, o Tesouro terá ainda mais perdas de arrecadação com essa medida, considerada uma "bomba fiscal", no jargão dos técnicos do Ministério da Economia.
Esse pacote valerá para empresas de hotelaria, cinemas, casas de eventos, como shows, salões de feiras, festas e bufês. Também inclui agências de viagens, transportadoras de turismo, parques temáticos, acampamentos e hotéis, pensões e outros meios de hospedagem.
Assessores parlamentares do Ministério da Economia e do Palácio do Planalto tentaram barrá-lo, afirmando que os trabalhadores desses setores já tinham recebido o auxílio emergencial. Não queriam abrir precedente para programas setoriais, mas foram vencidos.
A relatora do projeto, deputada Daniella Ribeiro (PP-PB), defendeu que esse grupo conta com milhares de empresas e gera 7,5 milhões de empregos diretos e indiretos. Na avaliação dela, "o número é maior do que o da indústria automotiva".
Somente o setor de eventos, ainda segundo a deputada, arrecada R$ 48 bilhões por ano com impostos.
Representantes da cate- goria, liderada pela Associação Brasileira do Produtores de Eventos, afirmaram aos congressistas terem registrado perdas de mais de R$ 80 bilhões desde o início da pandemia.
O lobby dos representantes de bares, restaurantes e lanchonetes também surtiu efeito. Tramita um projeto pelo Senado que pretende dar uma ajuda de até R$ 10 bilhões ao setor, que, durante a pandemia da Covid-19, concentrou esforços nas entregas como forma de evitar a perda total de receitas.
Segundo o relator, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), o ritmo lento da vacinação no país está levando diversos estados a decretar medidas mais restritivas, impondo o fechamento do comércio, o que afetará ainda mais a economia e o caixa dos empresários do setor.
A Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes) informou empregar 6 milhões de funcionários e faturar o equivalente a 2,7% do PIB (Produto Interno Bruto) nacional. Dentre o cerca de 1 milhão de estabelecimentos, 93,4% são de micro e pequenos negócios, a maior parte nas regiões Sudeste e Sul.
O projeto, que tem previsão de votação nesta semana, prevê que essas empresas sejam beneficiadas com um auxílio que varia de R$ 2.000 a R$ 3.500 por três meses.
Além disso, suspende a cobrança de tributos federais com a posterior renegociação das dívidas, com descontos de até 70% e prazo de até 12 anos.
Em contrapartida, restaurantes, bares e lanchonetes terão de doar alimentos para pessoas em situação de vulnerabilidade.
Na exposição de motivos, o senador compara a iniciativa com a dos Estados Unidos que, segundo o documento, concedeu um crédito tributário de até US$ 10 mil por funcionário de empresas que tiveram a atividade totalmente ou parcialmente paralisadas em decorrência das medidas adotadas na pandemia.
A agricultura familiar também conseguiu um projeto de lei com deputados da bancada ruralista prevendo uma ajuda de até R$ 2,2 bilhões para parte das cerca de 4,4 milhões de famílias.
Os autores do projeto, alguns ligados à bancada ruralista, afirmam que a "Lei Assis Carvalho" foi vetada praticamente na íntegra pelo presidente Bolsonaro, fato que deixou milhões de famílias de agricultores familiares sem nenhuma assistência pública durante todo o ano dramático de 2020".
Para eles, a situação tende a se agravar neste ano, "aprofundando-se a crise na base produtora de alimentos da população brasileira onde a agricultura familiar é a principal protagonista".
Sem um novo decreto estendendo o período de calamidade e sem a deliberação de vetos pelo Congresso [inclusive o da Lei Assis Carvalho], os parlamentares decidiram atender ao pleito dos agricultores.
O projeto institui o Fomento Emergencial de Inclusão Produtiva Rural para as famílias que estiverem em situação de pobreza. Inicialmente, a União terá de arcar com o pagamento de R$ 2.500 em parcela única para cada família.
O valor será de R$ 3.000 quando a líder familiar for uma mulher. O teto será de R$ 3.500 caso seja necessário a construção de cisternas nas propriedades para a garantia de acesso à água.
Somente esse auxílio tem um custo estimado de R$ 550 milhões para o Tesouro.
Também está prevista a criação de uma nova modalidade de crédito rural com até R$ 1,7 bilhão disponíveis dentro do Pronaf (Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar).
Famílias com renda de até três salários mínimos poderão tomar empréstimos sem juros para financiar a produção. Uma pequena parte poderá ser vertida para sua própria subsistência. O valor máximo será de R$ 10 mil.
A Conab (Companhia Nacional de Abastecimento) comprará a produção desses agricultores, limitando-se a R$ 6.000 por família.
Além disso, prevê a prorrogação das dívidas desse grupo por um ano contraídas desde janeiro do ano passado. Abre ainda espaço para renego- ciação de pendências financeiras com rebates que variam de 50% a 95% do valor principal do período que se estende desde dezembro de 2019 até agora para pagamento em 2022 a 2032, nas condições originais do contrato.
De acordo com assessores do Palácio do Planalto, o lobby tem sido feito por donos de grandes empresas, que conseguem benefícios usando os pequenos como escudo. Até o momento, o governo não conseguiu barrar nenhum desses projetos, mesmo enviando pareceres contrários sobre a bomba fiscal.
Assessores do chefe da Economia, Paulo Guedes, afirmam que o ministro tenta agora oferecer algum tipo de pacote aos setores que não foram contemplados até o momento como forma de evitar a "bomba fiscal" via Congresso.
Desde que a pandemia deu sinais de que o isolamento e políticas restritivas seriam duradouras, as principais empresas de eventos e de turismo tentaram junto ao governo, principalmente na Economia, um pacote de socorro.
Defendiam que programas de empréstimos com garantias ou taxas de juros mais baixas não seriam suficientes para dar conta das perdas bilionárias geradas pelos cancelamentos de shows, feiras, eventos e dos principais destinos turísticos no país e no exterior.
A equipe econômica, no entanto, resistia a pacotes setoriais porque prioriza o pagamento do auxílio para funcionários. Para as empresas, lançou os programas de crédito.
Diante da resistência e do novo cenário político, em que o governo vem cedendo em troca de apoio de parlamentares do centrão, as empresas viram no Congresso a chance de conseguir socorro.
Caso sejam aprovados, os recursos desses projetos permitiram estender a segunda rodada do auxílio emergencial por mais seis meses. O programa levou meses para ser negociado pelo governo. Na época, o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) alegou que não havia dinheiro em caixa para que fosse estendido.
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