Levado do setor privado ao comando de um superministério da Economia -criado por ele mesmo-, o ministro Paulo Guedes teve suas convicções liberais testadas pela ala política do governo Jair Bolsonaro.
Em seu primeiro ano de gestão, o "Chicago oldie" -como chama integrantes de seu time que, como ele, passaram pela liberal Universidade de Chicago- precisou frear parte de seus planos anunciados em discursos desde a posse.
O ministro costuma destacar a liberdade que recebeu de Bolsonaro para conduzir a economia do país. No entanto, repetiram-se episódios de recuos em propostas planejadas pela equipe econômica, seja por discordância na área política do governo ou por determinação do próprio presidente.
Guedes considera a aprovação da reforma da Previdência o grande trunfo de seu primeiro ano de gestão. Embora tenha sido alterada pelo Congresso e não inclua o modelo de capitalização que ele defende, o texto aprovado terá um impacto fiscal considerado alto -cerca de R$ 800 bilhões em dez anos, ante R$ 1,2 trilhão da versão apresentada inicialmente pelo governo.
No restante da agenda prevista, o ministro afirma ter ouvido a intuição política de Bolsonaro. Na prática, parte dos pilares das reformas estruturais que ele tanto defende acabou colocado em banho-maria.
Considerada pelo ministro a espinha dorsal de sua reforma tributária, uma ampla redução dos encargos trabalhistas tem chance de não sair do papel. Instrumento defendido por Guedes para compensar essa futura perda de arrecadação, a criação de um imposto sobre pagamentos aos moldes da extinta CPMF foi alvo de críticas dentro do governo e acabou banida das discussões pelo próprio Bolsonaro.
A divergência em torno do novo tributo foi justificativa também para a demissão do então secretário da Receita Federal, Marcos Cintra.
Sem outras opções para ampliar a base de tributação do país, Guedes tenta agora emplacar um imposto semelhante, mas que incidiria apenas sobre as transações digitais, no celular e na internet.
A ideia teve reação negativa do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que afirmou que a proposta não será aprovada pelos deputados. O próprio presidente Bolsonaro já considera o assunto encerrado.
No campo tributário, pesa ainda o fato de o envio da reforma tributária do Executivo ao Congresso, inicialmente estimado para 2019, ter sido postergado para 2020 após os parlamentares terem atropelado a discussão do ministério com propostas próprias nas duas Casas do Legislativo.
Também foi adiada para o ano que vem a divulgação da proposta de reforma administrativa. Por ordem de Bolsonaro, a equipe econômica segurou a apresentação do texto, que já estava pronto para ser enviado. Ele argumentou que seria necessário aguardar o timing político correto.
A proposta tem o objetivo de controlar a despesa com pessoal -segundo maior gasto primário do governo- com uma reestruturação de salários e carreiras de servidores públicos, além do fim da estabilidade para futuros servidores na maior parte das carreiras do funcionalismo.
Guedes também reconheceu ter abrandado, a pedido de Bolsonaro, uma de suas propostas prioritárias, o pacto federativo.
No discurso feito ao assumir o cargo, em janeiro, e em outras falas ao longo do ano, o ministro afirmou ter o objetivo de desvincular, desobrigar e desindexar todo o Orçamento.
A mudança significaria dar ao Congresso liberdade total sobre a definição da aplicação dos recursos públicos, sem que houvesse, por exemplo, limite mínimo para gastos com saúde e educação. A retirada total das amarras ainda desobrigaria o governo a reajustar aposentadorias e benefícios assistenciais pela correção da inflação ou do salário mínimo.
As propostas do pacto federativo foram apresentadas em novembro, mas com regras mais brandas, mantendo gastos obrigatórios e vinculações de benefícios. Guedes também queria originalmente retirar o piso constitucional de recursos para saúde e educação, mas acabou ouvindo sugestões e fundindo as duas contas em uma só (ou seja, governadores e prefeitos podem movimentar recursos entre as duas áreas conforme a demanda local).
"Me avisaram que não tem como desindexar tudo. A esquerda vai atacar. Vão vir para cima. Nesse caso, eu tenho de ceder", afirmou Guedes em entrevista à Folha de S.Paulo publicada em novembro.
A equipe econômica também estudou a retirada do reajuste do salário mínimo da Constituição, mas desistiu. "Nós íamos desindexar tudo. Mantivemos indexação do salário mínimo e dos benefícios previdenciários a pedido do presidente Bolsonaro", afirmou o ministro na época.
"O presidente Bolsonaro é um homem de enorme intuição política. Ele disse: 'Você acaba de fazer a reforma da Previdência e você ainda quer desindexar o dinheiro dos velhinhos? Que historia é essa?' É verdade, está certo, é muito cedo", completou.
Defensor do estado mínimo, Guedes já afirmou que queria a privatização de todas as estatais. Em discursos, chegou a dizer que essas vendas poderiam render entre R$ 800 bilhões e R$ 1,2 trilhão à União.
A venda de empresas públicas, porém, não decolou no primeiro ano de sua gestão. Nenhuma das companhias de maior porte foi vendida. A saída do governo do controle da Eletrobras, planejada antes mesmo da chegada de Bolsonaro ao poder, não andou no Congresso.
Por outro lado, o governo conseguiu que estatais ampliassem a venda de ativos. Somente Petrobras, Caixa e Banco do Brasil venderam R$ 91,3 bilhões em ativos entre janeiro e novembro.
O ritmo mais lento do que o planejado por Guedes na implementação das reformas não impediu o movimento de reação da economia. No encerramento do ano, a equipe do ministro vem comemorando a melhora nos indicadores.
Em um resultado que surpreendeu analistas, o PIB (Produto Interno Bruto) do terceiro trimestre superou expectativas e apresentou alta de 0,6% em relação aos três meses anteriores. A estimativa do Banco Central para o crescimento da atividade em 2020 foi revisada de 1,8% para 2,2%.
No emprego, o número de vagas com carteira assinada cresceu em 948 mil postos até o mês passado. Em novembro, o saldo foi de 99 mil vagas, o dobro do previsto pelo mercado.
No mercado financeiro, o Ibovespa, principal índice da Bolsa brasileira, foi de 91 mil pontos em janeiro para aproximadamente 115 mil em dezembro.
A equipe do titular da pasta acredita que a tendência é que os números sigam melhorando, assim como o desempenho dentro do Ministério da Economia. O início da gestão foi conturbado pela fusão dos ministérios da Fazenda, do Planejamento, do Desenvolvimento e do Trabalho em uma só pasta.
Auxiliares do ministro têm a avaliação de que a junção das pastas trouxe coerência aos trabalhos, visto que no passado os posicionamentos diferentes da área econômica pela Esplanada geravam propostas antagônicas.
Agora, apesar de discussões internas e da disputa de secretários pelo tempo do ministro, é relatada uma curva de aprendizado nos procedimentos e, por isso, há expectativa de atividades mais fluidas no ano que vem.
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