A Americanas, em recuperação judicial desde o último dia 19, já começa a enfrentar problemas de abastecimento. Prateleiras vazias já são vistas em lojas da rede nos últimos dez dias.
Tradicional vendedora de guloseimas como chocolates, biscoitos e chicletes, a varejista acumula dívidas milionárias com grandes fornecedores, como Nestlé (R$ 260 milhões), Bauducco (R$ 97 milhões) e Mondelez (R$ 93 milhões). Esta última é dona de marcas como Lacta, Trident, Mentos e Oreo.
Alguns fornecedores não têm mais interesse em continuar fornecendo para a Americanas, apurou a reportagem. A empresa sempre foi considerada um trunfo pelos fabricantes: tendo em vista o tamanho da sua rede e do marketplace, os fornecedores conseguiam alavancar seu market share (participação de mercado). Mas o temor de calote, especialmente entre os pequenos, que não contam com seguro de crédito, é grande.
Em razão da dificuldade de abastecimento, a companhia deu início a um processo de realocação de estoques entre as lojas, a fim de garantir produtos nos pontos de mais alto fluxo. Existe a expectativa que ao menos 30% dos pontos de venda fechem as portas, a fim de reduzir os custos fixos com aluguel e pessoal, segundo pessoas ouvidas pela reportagem sob condição de anonimato.
Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo no último dia 21, porém, o diretor de operações e relacionamento com o consumidor da Americanas, Marcio Chaer, afirmou que não houve alteração na oferta de produtos e no fluxo de pagamentos a fornecedores. Segundo ele, a previsão era de ocorrer uma otimização de recursos para garantir a sustentabilidade da companhia no curto prazo. "Certamente vamos ajustar aquilo que não for essencial para a gente", disse.
Questionada novamente pela reportagem a respeito de problemas de abastecimento, a Americanas respondeu que o planejamento de estoque próprio é feito com bastante antecedência.
"A companhia segue com níveis adequados de estoque e está coordenando a revisão e redistribuição de produtos, buscando maior otimização de vendas e margens, ação que faz parte da dinâmica do varejo. As negociações comerciais seguem em ritmo saudável para a companhia e fornecedores com quem tem relações históricas", afirmou por meio de sua assessoria, em nota.
Segundo a varejista, o sortimento do marketplace voltou a patamares similares aos meses anteriores aos últimos acontecimentos. "A força da marca Americanas, com mais de 90 anos de história, e a relação próxima e transparente com os lojistas parceiros, abriu portas para a entrada de novos sellers neste período recente."
Nesta terça-feira, a Americanas deu início à demissão de funcionários, começando por profissionais terceirizados, a fim de reduzir suas despesas.
Entre os contratos que foram encerrados, está o do prestador de serviço de televendas. O serviço era pouco representativo e sequer era apontado no balanço da varejista, mas servia como opção para os consumidores mais velhos.
A varejista está em busca de alternativas para conseguir capital de giro rápido. Entre as opções em estudo, está o DIP (do inglês debtor-in-possesion financing, ou "financiamento do devedor em posse"), um modelo de financiamento usado apenas em recuperações judiciais. Outra opção seria a venda de ativos.
O último balanço da Americanas, referente ao terceiro trimestre de 2022, indicava uma rede com 3.601 pontos de venda, incluindo as franquias do Grupo Unico (Imaginarium, Puket, MinD e LoveBrands) e da Local (que, junto com as lojas BR Mania, integravam a joint venture Vem Conveniência, desfeita pelo grupo Vibra no último dia 23). Esses pontos, porém, não estão envolvidos na recuperação judicial.
Mas a rede Hortifrúti/Natural da Terra (79 lojas), comprada pela Americanas em agosto de 2021, está no processo de recuperação judicial. Além desses pontos, as lojas que podem ser fechadas pertencem ao formato tradicional Americanas (1.017 pontos) e ao modelo Americanas Express (783 pontos). Juntos, os dois formatos somam quase 1,3 milhão de metros quadrados.
"A princípio, a rede Hortifrúti/Natural da Terra poderia ser vendida dentro do processo de recuperação judicial", diz sócio da consultoria Performa Partners, André Pimentel.
"Mas existem três pontos críticos para isso: a demora do plano em ser aprovado, garantir uma estrutura independente para a Natural da Terra, já que hoje caixa e CNPJ estão junto com Americanas, e encontrar um potencial comprador", afirma Pimentel, que já trabalhou em uma das reestruturações realizadas na Americanas, na virada dos anos 2000, pela Galeazzi & Associados.
Segundo ele, a varejista acredita que a rede vale cerca de R$ 2 bilhões, algo próximo do valor pago um ano e meio atrás. "Mas o mercado acha que vale entre R$ 800 milhões e R$ 1 bilhão. Isso vai ser um complicador no plano de recuperação judicial: a empresa acha que pode vender pelo máximo, mas só tem quem paga o mínimo."
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