BRASÍLIA - Diante da persistência da alta dos preços e das consecutivas revisões nas expectativas do mercado para a inflação, o Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central elevou, nesta quarta-feira (4), a taxa básica de juros (Selic) em 1 ponto percentual, a 5,25% ao ano. É a maior alta em 18 anos. Diante disso, especialistas já acreditam que até o fim do ano o indicador alcance 8%.
No comunicado, o BC indicou que fará nova elevação na mesma magnitude na próxima reunião, em setembro, para 6,25%. Além disso, o BC mudou novamente a avaliação sobre qual nível da taxa deve alcançar e afirmou que deve ficar acima do neutro, que não estimula nem contrai a economia. Atualmente, a taxa de juros neutra gira em torno de 6,5%.
Na reunião passada, o Copom havia afirmado que a Selic deveria subir até alcançar o patamar neutro. Nos encontros anteriores, a avaliação era que deveria ficar abaixo desta marca porque a economia ainda precisava de estímulo.
"Neste momento, o cenário básico e o balanço de riscos do Copom indicam ser apropriado um ciclo de elevação da taxa de juros para patamar acima do neutro", disse o comunicado.
"O Copom enfatiza que os passos futuros da política monetária poderão ser ajustados para assegurar o cumprimento da meta de inflação e dependerão da evolução da atividade econômica, do balanço de riscos e das projeções e expectativas de inflação para o horizonte relevante da política monetária", considerou o texto.
Esta é a maior alta desde fevereiro de 2003, quando a taxa passou de 25,50% para 26,50%. Naquele ano, a inflação ficou em 9,30%. Era o primeiro ano do mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Com a decisão desta quarta, o BC acelera o ritmo do ciclo de aperto monetário, que vinha sendo de alta de 0,75 ponto nas reuniões anteriores.
Na reunião de junho, quando a Selic foi a 4,25% ao ano, o Copom havia sinalizado que faria uma nova elevação na taxa básica de 0,75 ponto, mas não descartou uma alta ainda maior caso as expectativas do mercado para a inflação, especialmente de 2022, continuassem subindo, o que acabou se concretizando.
A decisão veio em linha com as expectativas do mercado. Em levantamento feito pela Bloomberg, a maior parte dos economistas consultados projetava a elevação de 1 ponto.
Para o BC, a inflação pode sofrer novas pressões com a possível elevação do adicional da bandeira tarifária e os novos aumentos nos preços de alimentos, ambos decorrentes de condições climáticas adversas.
"A inflação ao consumidor continua se revelando persistente. Os últimos indicadores divulgados mostram composição mais desfavorável. Destacam-se a surpresa com o componente subjacente da inflação de serviços e a continuidade da pressão sobre bens industriais", afirmou.
Segundo o Copom, esses fatores levaram à revisão significativa das projeções de curto prazo.
Desde o fim do ano passado, os preços no país sobem em escalada, inicialmente puxada por alimentos e depois por combustíveis e energia.
Em junho, a inflação aumentou em 0,53%, pressionada principalmente pelo encarecimento da energia elétrica. Esta foi a maior alta para o mês desde 2018, quando o Brasil vivia sob os efeitos da greve dos caminhoneiros.
No acumulado dos 12 meses, o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo) alcançou 8,35%, bem acima do teto da meta (5,25%).
O controle da inflação é a principal atribuição da autoridade monetária. Para isso, o BC define a meta da taxa básica de juros.
Quando a inflação está alta, o Copom sobe os juros com o objetivo de reduzir o estímulo na atividade econômica, o que diminui o consumo e equilibra os preços. Caso contrário, o BC pode reduzir juros para estimular a economia.
Segundo o relatório Focus desta semana, no qual o BC divulga as projeções do mercado, os economistas continuaram elevando as expectativas de inflação para 2021, que estão em 6,79%, 1,54 ponto percentual acima do máximo permitido pelo CMN (Conselho Monetário Nacional).
A meta fixada é de 3,75%, com tolerância 1,5 ponto percentual para cima e para baixo. Há um mês, a estimativa do mercado era de 6,07% para este ano.
Quando a inflação não fica dentro do intervalo determinado pelo CMN (Conselho Monetário Nacional) para o ano, o presidente do BC precisa escrever uma carta aberta ao presidente do conselho, que é o ministro da Economia, Paulo Guedes, para explicar os motivos.
O mercado também elevou as expectativas para 2022. Segundo o Focus, os economistas esperam alta de 3,81% nos preços no ano que vem. Há quatro semanas, eles apostavam em 3,77%.
As projeções do BC para inflação são de 6,5% para 2021, 3,8% para 2022 e 3,25% para 2023. A análise foi feita com a taxa de juros da pesquisa Focus e taxa de câmbio partindo de US$ 5,15.
De acordo com a pesquisa, a taxa básica deve terminar o ano em 7% e permanecer neste patamar em 2022. Em 2023, a expectativa é que a Selic se reduza para 6,50%. Mas muitos especialistas apontam para 8% devido ao comunicado do Banco Central, revelando que as decisões do Copom serão mais agressivas.
Nesse cenário, as projeções para a inflação de preços administrados são de 10,0% para 2021 e 4,6% para 2022 e 2023. "Adota-se uma hipótese neutra para a bandeira tarifária de energia elétrica, que se mantém em 'vermelha patamar 1' em dezembro de cada ano-calendário", disse o comunicado.
O BC incluiu 2023 no horizonte relevante, para quando entende que a política monetária pode fazer efeito.
"O Comitê entende que essa decisão reflete seu cenário básico e um balanço de riscos de variância maior do que a usual para a inflação prospectiva e é compatível com a convergência da inflação para as metas no horizonte relevante, que inclui o ano-calendário de 2022 e, em grau menor, o de 2023", disse o documento.
O Comitê afirmou que "a piora recente em componentes inerciais dos índices de preços, em meio à reabertura do setor de serviços, poderia provocar uma deterioração adicional das expectativas de inflação".
"O Copom considera que, neste momento, a estratégia de ser mais tempestivo no ajuste da política monetária é a mais apropriada para garantir a ancoragem das expectativas de inflação", disse.
O BC reafirmou que há fatores de risco para a inflação em ambas as direções: uma redução nos preços de commodities internacionais com a valorização do Real pode segurar os preços e o desequilíbrio fiscal pode puxá-los para cima.
"Apesar da melhora recente nos indicadores de sustentabilidade da dívida pública, o risco fiscal elevado segue criando uma assimetria altista no balanço de riscos, ou seja, com trajetórias para a inflação acima do projetado no horizonte relevante para a política monetária", justificou.
Sobre a atividade econômica, o Comitê reafirmou que os indicadores recentes continuam mostrando evolução positiva e "não ensejam mudança relevante para o cenário prospectivo, o qual contempla recuperação robusta do crescimento econômico ao longo do segundo semestre".
No cenário externo, segundo o comunicado, a evolução da variante Delta da Covid-19 adiciona risco à recuperação da economia global.
"O Comitê avalia que, a despeito dos movimentos recentes nas curvas de juros, ainda há risco relevante de aumento da inflação nas economias centrais. Ainda assim, o ambiente para países emergentes segue favorável com os estímulos monetários de longa duração, os programas fiscais e a reabertura das principais economias", pontuou.
Em agosto do ano passado, a Selic alcançou o menor nível da história, de 2% ao ano, como resposta à crise gerada pela pandemia de Covid-19. A taxa permaneceu no patamar até março deste ano, quando o BC iniciou o ciclo de alta.
Em junho, a Selic voltou ao patamar em que estava até 18 de março de 2020 (4,25%), quando o Copom começou a cortá-la em reação aos efeitos da crise sanitária sobre a economia.
O BC informou que o diretor de Política Monetária Bruno Serra não participou presencialmente da reunião e, por isso, não votou. Ele testou positivo para Covid-19 e, segundo a autarquia, "segue assintomático e desempenhando normalmente suas funções de maneira remota".
"Seguindo orientação da área de gestão de pessoas do BC, na semana passada, todos os membros do Copom foram testados para Covid-19", disse o BC em nota.
Para a estrategista-chefe da MAG Investimentos, Patrícia Pereira, o Copom se mostrou mais preocupado com o combate à inflação.
"O Comitê entregou um tom mais duro e comprometido com a convergência da inflação, o que deve ancorar as expectativas de inflação para 2022 em diante. Um ponto relevante foi substituir a preferência por um juro neutro no final do atual ciclo de aperto monetário, por uma taxa acima desse nível", analisou.
A economista da Toro Investimentos, Paloma Brum, afirmou que a aceleração do ritmo de alta da Selic já era esperado por conta do avanço da inflação no país.
"O Copom está relativamente atrasado para manter a inflação sob controle e, por isso, precisa realizar uma normalização mais acelerada da Selic, o que já começou na última reunião e deve se estender nas próximas decisões", disse.
A analista aposta que a taxa básica alcance 8% até o fim do ano.
Alexandre Espirito Santo, economista-Chefe da corretora Órama, ponderou que o objetivo do BC é manter as expectativas para 2022 dentro da meta. "Para 2021, não há muito mais a fazer", afirmou.
A CNI (Confederação Nacional da Indústria) disse, em nota, que considerou equivocada a decisão do Copom "de manter um ritmo expressivo de aumento da taxa básica de juros".
O presidente da CNI, Robson Braga de Andrade, disse reconhecer que a inflação se encontra elevada e requer atenção, mas afirmou no texto que a pressão sob os preços são majoritariamente decorrentes de choques de oferta.
"O controle da inflação de oferta via juros é menos eficaz e requer um forte desestímulo à atividade econômica em um momento em que a recuperação da economia ainda se mostra frágil", justificou Andrade.
A Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) afirmou, também em nota, que o BC coloca em risco "a frágil recuperação da atividade econômica ao acelerar a subida da Selic".
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