Criado nos Estados Unidos no último dia 17 de julho, o movimento "Stop Hate for Profit", que busca unir grandes anunciantes em um boicote ao Facebook, ganhou nos últimos dias nomes de peso, como o da gigante de tecnologia Microsoft e Adidas.
A campanha foi criada como forma de pressionar redes sociais, e em especial a companhia liderada por Mark Zuckerbeg, a combater de maneira mais ativa posts racistas ou que pregavam discurso de ódio em suas plataformas. Ao todo, o movimento já diz ter o apoio de mais de 130 grandes anunciantes.
Entre os nomes que suspenderam as campanhas em ao menos uma das redes sociais estão Unilever, Coca-Cola, Starbucks, Volkswagen e Diageo.
O movimento ocorre em meio à pandemia do novo coronavírus e aos protestos antirracistas nos Estados Unidos e foi criado por entidades como ADL (Liga Antidifamação, tradicional ONG de origem judaica) e NAACP (Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor). Também faz parte da organização o Sleeping Giants, movimento que alerta empresas que seus anúncios digitais financiam sites com conteúdos apontados como fake news ou extremistas.
A página do Stop Hate for Profit critica o que chama de inação por parte do Facebook no combate a discursos de ódio ou extremistas na plataforma.
Um estudo da WFA (Federação Mundial dos Anunciantes, na sigla em inglês) divulgado pelo jornal Financial Times mostra que um terço das maiores marcas globais já suspendeu os anúncios em redes sociais ou planeja fazê-lo.
O momento é considerado pela federação como um ponto de virada no qual o Stop Hate for Profit tem influência. Ao jornal, o presidente da entidade, Stephan Loerke, disse acreditar que o movimento terá um impacto mais duradouro do que um boicote de um mês, como inicialmente anunciado pelos maiores anunciantes.
A Microsoft já havia suspendido os seus anúncios no Facebook e no Instagram em maio nos Estados Unidos, mas ampliou a pausa para todas as suas operações. A informação foi revelada pelo portal Axios e confirmada pela companhia à reportagem.
A medida teria sido tomada para evitar que anúncios da multinacional fossem exibidos em conteúdos como discurso de ódio, terrorismo ou pornografia, de acordo com a reportagem do portal.
O texto afirma, ainda, que a empresa está em contato com o Facebook para negociar uma volta dos anúncios. Procurada, a companhia não diz quando poderia voltar a fazer campanhas nas plataformas.
Em nota, a Adidas, também responsável pela Reebok, afirma que "conteúdo racista, discriminatório e discurso de ódio em redes sociais não têm lugar na nossa marca e nem na sociedade" e que, por isso, decidiu pausar anúncios no Facebook e no Instagram em julho.
"Nesses próximos 30 dias, iremos também desenvolver novos critérios para assegurar que nós, do Grupo Adidas, e todos os nossos parceiros sejamos mais responsáveis pela criação e manutenção de ambientes seguros", afirma o texto.
A Diageo também decidiu suspender as campanhas digitais a partir de 1º de julho, mas em todas as redes sociais. Em nota, a multinacional diz que discute com as empresas de mídia digital "como lidar com conteúdo inaceitável".
A Coca-Cola anunciou que a suspensão dos anúncios em todas as mídias sociais é global e deverá durar ao menos 30 dias a partir desta quarta-feira (1º). "Não há lugar para o racismo no mundo e não há lugar para o racismo nas mídias sociais", afirmou em comunicado o presidente da companhia, James Quincey.
A empresa diz que vai reavaliar a política de marketing que espera "mais responsabilidade e transparência" das plataformas.
Já a Unilever decidiu suspender as campanhas de Facebook, Instagram e Twitter até o final do ano, mas apenas nos Estados Unidos, "por entender que continuar com suas campanhas nestas plataformas não geraria valor nem às pessoas, nem à sociedade" em meio à polarização atual nesse país.
"A Unilever segue monitorando o andamento dessa questão e está disposta a revisitar a decisão, se necessário", diz a nota. A empresa diz que vai manter os investimentos planejados, mas afirma que vai redirecioná-los a outras mídias.
A Starbucks suspendeu os anúncios em todas as redes sociais nos Estados Unidos e afirma que a medida não terá impacto local. "A empresa está trabalhando diretamente com parceiros de mídia global e organizações de direitos civis para parar a propagação dos discursos de ódio", diz em nota.
"É um movimento inédito nessa amplitude, e histórico também. Essa pressão sobre as plataformas é parte de uma tendência nos Estados Unidos de se discutir a disseminação de fake news e discurso extremista. Isso expõe os problemas da mídia programática, baseada em algoritmos", diz Regina Augusto, consultora de marketing.
Segundo ela, o impacto sobre as gigantes de tecnologia é mais representacional do que sobre a faturamento delas.
"Já havia uma forte redução de campanhas provocada pela pandemia. A novidade é que o a campanha atual dá às marcas uma oportunidade de pressionar Google, Facebook e Twitter. Especialmente no caso do Facebook, a empresa deverá abandonar o discurso da neutralidade", diz Regina.
Para Natalia Néris, coordenadora de pesquisa no Internet Lab, a perda de bilhões de dólares em receita neste mês por parte do Facebook pode acelerar um processo de revisão das políticas de conteúdo da empresa.
Ela afirma que a automação na revisão dos conteúdos postados pelo usuário tem se mostrado ineficaz para filtrar discurso de ódio nas plataformas da empresa até o momento.
"Desde 2018, o Facebook publica trimestralmente um relatório de transparência sobre como tem lidado com conteúdo do tipo. Notamos que o uso da automação para monitorar violações tem crescido. É uma ferramenta útil para nudez e imagens de violência, mas não discurso de ódio", diz.
Segundo ela, os algoritmos da companhia atualmente são programados para banir o discurso de ódio com relação a categorias protegidas, como raça, sexo e gênero.
"Mas a automação não define que grupos são protegidos, que poderiam ser negros, mulheres, gays. Há uma dificuldade de análise de contexto. Já recebemos denúncias de pessoas negras que tiveram seu conteúdo bloqueado por supostamente terem praticado racismo contra brancos, o que não existe", afirma.
O Facebook afirmou que abriu uma auditoria de direitos civis e que já baniu 250 organizações supremacistas brancas da rede social homônima e do Instagram.
"Os investimentos que fizemos em Inteligência Artificial nos possibilitam encontrar quase 90% do discurso de ódio proativamente, agindo sobre eles antes que um usuário nos denuncie, e um relatório recente da União Europeia apontou que o Facebook analisou mais denúncias de discurso de ódio em 24 horas do que o Twitter e o YouTube", disse em nota.
"Temos mais trabalho para fazer e continuaremos trabalhando com grupos de direitos civis [...] e outros especialistas para desenvolver ainda mais ferramentas, tecnologias e políticas para continuar essa luta".
Procurado, o Twitter afirma que não pode informar o impacto negativo que o movimento teve em suas receitas. "Podemos dizer que seguimos com grandes campanhas no ar no Twitter no Brasil", afirmou.
A companhia diz que tem desenvolvido "políticas e funcionalidades na plataforma no intuito de proteger a conversa pública e, como sempre, estamos comprometidos em amplificar vozes de comunidades sub-representadas e grupos marginalizados."
"Temos regras que determinam os conteúdos e comportamentos permitidos na plataforma, incluindo, por exemplo, a política contra propagação de ódio. Nossas regras estão em constante evolução para atender às novas demandas e necessidades de um ambiente em constante transformação, e temos inclusive contado com o feedback das pessoas e colaboração de especialistas terceiros em sua elaboração e atualização", disse, também em nota.
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