BRASÍLIA - O governo Jair Bolsonaro (PL) decidiu liberar R$ 3,5 bilhões em emendas de relator, usadas como moeda de troca nas negociações com o Congresso Nacional, a menos de um mês das eleições. A divisão dos recursos foi autorizada pela JEO (Junta de Execução Orçamentária), colegiado formado pelos ministros Paulo Guedes (Economia) e Ciro Nogueira (Casa Civil).
O valor deve ser usado para contemplar aliados do Palácio do Planalto e também da cúpula do Congresso Nacional, muitos dos quais buscam a reeleição neste ano.
Em pleno calendário eleitoral, os recursos indicados para os redutos eleitorais desses parlamentares poderão ser empenhados —essa é a primeira fase do gasto, quando há o compromisso com aquela despesa. Apesar disso, o repasse financeiro é vedado até o fim das eleições, exceto em caso de obra ou convênio já em andamento.
A iniciativa tem sido criticada por parlamentares de oposição, que questionam a medida no STF (Supremo Tribunal Federal).
A liberação dos recursos é possível graças a duas MPs (medidas provisórias) de Bolsonaro para adiar ou limitar despesas de Ciência e Cultura aprovadas anteriormente pelo Legislativo. A manobra permitiu jogar R$ 5,6 bilhões em gastos para 2023 e abrir caminho ao desbloqueio de parte das emendas.
A estratégia para liberação imediata da verba foi concluída com um decreto que permitiu ao governo usar o alívio para desbloquear gastos sem a necessidade de elaborar um relatório de revisão de receitas e despesas do Orçamento. O documento, que é periódico, terá sua próxima edição em 22 de setembro — esperá-lo deixaria pouco tempo para a liberação das emendas antes das eleições em 2 de outubro.
O decreto foi publicado em edição extra do Diário Oficial da União na noite de 6 de setembro, véspera do feriado do Bicentenário da Independência.
A maior parte dos recursos, R$ 1,7 bilhão, será empregada em ações do Ministério do Desenvolvimento Regional, uma das pastas preferidas pelos parlamentares para direcionar recursos de obras de pavimentação ou compra de maquinário para suas bases.
Também serão contemplados os ministérios da Saúde (R$ 698 milhões), Cidadania (R$ 598 milhões) e Agricultura (R$ 230 milhões).
Os outros R$ 2,1 bilhões serão usados para destravar despesas próprias dos ministérios, que estão estranguladas diante do bloqueio de R$ 12,7 bilhões no Orçamento, vigente desde o fim de julho.
O corte também atingiu as emendas. Em julho, quando quase metade dos R$ 16,5 bilhões em emendas de relator foi bloqueada, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que controla parte das verbas, reclamou com o Palácio do Planalto.
O Executivo está remanejando os recursos após Bolsonaro cortar verba da ciência e cultura. Em 29 de agosto, o presidente editou duas MPs (medidas provisórias), uma delas para limitar a R$ 5,6 bilhões os gastos do FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) em 2022. Como a obrigação antes era maior, na prática o governo ganhou espaço no Orçamento.
Outra MP adiou os repasses das leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc, de auxílio à cultura em estados e municípios, e do Perse (Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos), aprovados pelo Congresso como resposta à crise causada pela pandemia de Covid-19 nesses setores.
Os repasses foram aprovados pelo Congresso e vetados por Bolsonaro. Em reação, o Legislativo derrubou os vetos, restabelecendo a ajuda financeira, agora adiada numa canetada pelo presidente da República. Uma medida provisória tem força de lei a partir do momento de sua publicação, com duração de até 120 dias — período em que precisa ser ratificada pelos parlamentares para permanecer em vigor.
Mesmo postergando as despesas, a equipe econômica teria de esperar o dia 22 de setembro para prever a liberação dos recursos, a ser efetivada em um decreto no fim do mês.
O Ministério da Economia até pode elaborar relatórios extemporâneos sempre que julgar necessário, mas essa tarefa exige um esforço de toda a Esplanada dos Ministérios no envio de informações atualizadas, incluindo projeções de inflação, crescimento, previsão de despesas com benefícios previdenciários e assistenciais, entre outros.
O decreto editado na semana passada pelo governo permitiu incorporar à execução orçamentária, de forma antecipada, os efeitos de regras legais implementadas após a edição mais recente do relatório bimestral de receitas e despesas (neste caso, referente a julho).
Segundo relatos, o decreto foi editado para "dar o conforto necessário" aos técnicos na liberação desses recursos sem a necessidade de um novo relatório. Havia pressão da cúpula do Congresso para destravar logo a verba.
As emendas tornaram-se estratégicas na reeleição dos parlamentares. Segundo dados do Diap (Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar), dos 513 deputados federais, 446 vão tentar a reeleição, o que representa 86,93% da Câmara.
No Senado Federal, dos 27 senadores em final de mandato, 12 vão tentar a reeleição (44,44%). Mesmo entre os que não buscarão novo mandato, há quem busque a eleição em outro cargo.
Além disso, o presidente da Câmara espera, com as emendas, ter poder de fogo para angariar apoio e emplacar sua reeleição ao comando da Casa em 2023, como mostrou a reportagem.
Em 22 de setembro, o próximo relatório vai detalhar todas as mudanças, mas o efeito da liberação já terá sido absorvido pelos órgãos e pelos parlamentares agraciados com as emendas.
Segundo entendimento da AGU (Advocacia-Geral da União), no período que antecede as eleições, o governo pode adotar "atos preparatórios" à execução das emendas, o que inclui a assinatura de convênios. Na interpretação dos técnicos, o empenho da despesa também é um ato preparatório, uma vez que não há repasse financeiro.
Embora o decreto de Bolsonaro tenha como efeito imediato a liberação de verbas, integrantes da equipe econômica alertam que a norma também permite a incorporação imediata de impactos no sentido contrário, ou seja, que obriguem o governo a cortar despesas.
Caso o Congresso aprove uma medida que eleve gastos do Executivo, a Economia poderá, pela nova regra, fazer o bloqueio imediato de verbas para compensar esse aumento de despesa.
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