Em mais um gesto para agradar o governo Donald Trump, o ministro Ernesto Araújo (Relações Exteriores) atuou junto ao presidente Jair Bolsonaro para que o Brasil renove por mais 90 dias uma cota de importação de etanol estrangeiro que pode entrar no Brasil livre de tarifa.
A decisão ainda não foi anunciada, mas interlocutores disseram à reportagem que Bolsonaro se convenceu dos argumentos apresentados por Araújo e que a tendência é que ele chancele a medida. Se confirmada, ela beneficia sobretudo produtores de milho do Meio-oeste americano.
A cota existente atualmente prevê que 750 milhões de litros de etanol podem ingressar no Brasil sem pagar um imposto de importação de 20%. Araújo trabalha para que a renovação seja proporcional, ficando em cerca de 187 milhões de litros. A cota atual vence nesta segunda-feira (31) e, sem a renovação, todo o etanol americano passaria a pagar o imposto para entrar no Brasil.
A decisão de Bolsonaro de prorrogar a cota, caso confirmada, desagrada tanto os produtores nacionais de cana-de-açúcar quanto a bancada do agronegócio, que se mobilizou para tentar barrar a concessão aos americanos. O aceno a Trump deve ocorrer ainda poucos dias depois de o presidente americano ter anunciado a redução do volume de aço semiacabado brasileiro que pode ingressar nos EUA com barreiras comerciais reduzidas.
O argumento utilizado para justificar a prorrogação, revelaram interlocutores à reportagem, deve ser que Brasil e EUA usarão os 90 dias para avançar em discussões da pauta comercial bilateral, entre elas o pleito brasileiro de conseguir acesso facilitado ao mercado de açúcar dos EUA.
A justificativa é considerada frágil por representantes do agronegócio, uma vez que o Brasil já tentou por diversas vezes reduzir barreiras para o açúcar naquele país. Os americanos sempre destacaram que não aceitavam atrelar as negociações do etanol à do açúcar.
A negociação sobre as cotas de etanol é hoje uma das principais disputas comerciais entre os dois países e Washington vinha fazendo gestões para derrubar barreiras comerciais para a entrada do produto no Brasil. Os americanos não queriam apenas a prorrogação da cota: eles trabalhavam para que o Brasil aceitasse o livre comércio do produto, o que beneficiaria produtores de milho daquele país - o etanol americano é feito a partir do cereal, e não da cana-de-açúcar, como ocorre no caso brasileiro.
Além de conversas com membros do governo em Brasília, o assunto mobilizou parlamentares americanos de estados do Meio-oeste, que pediram a Trump que atuasse para conseguir a concessão do Brasil.
Embora a eventual prorrogação da cota não contemple totalmente o pedido americano, ela frustrará diversos aliados do presidente Bolsonaro que já davam como certo que a partir de setembro todo o etanol americano importado pelo Brasil seria taxado em 20%.
O setor sucroalcooleiro e a bancada do agronegócio no Brasil fecharam fileiras contra o pleito americano. O principal argumento é que o segmento passa por uma grave crise ocasionada pela queda na demanda por combustíveis e que a entrada de mais etanol americano devastaria pequenos usineiros no Nordeste, que seriam os principais afetados.
Na semana passada, dezenas de deputados ligados ao agronegócio - entre eles os líderes do MDB, DEM, PV, PDT e Solidariedade - entregaram uma carta a Bolsonaro defendendo o fim da cota e a imposição das barreiras contra o álcool dos EUA.
"Nós somos absolutamente contrários a essa prorrogação porque ela não foi precedida de nenhuma negociação. Achamos natural que em relações comerciais se tenha negociações, o que não se pode ter é uma atitude unilateral.E a simples prorrogação é uma atitude unilateral que não preserva o interessa brasileiro", questionou o deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP), presidente da Frente Parlamentar pela Valorização do Setor Sucroenergético
Interlocutores ouvidos pela reportagem destacaram que a pressão americana é intensa e carregada de um forte componente eleitoral, uma vez que o tema é sensível aos produtores de milho do Meio-oeste daquele país.
Segundo relataram pessoas que participaram das conversas, negociadores americanos chegaram a sugerir em mais de uma ocasião que o assunto era politicamente sensível e que Trump poderia se beneficiar eleitoralmente de um gesto do Brasil.
Após jornais brasileiros terem publicado notícias dando conta de que o embaixador americano no Brasil, Todd Chapman, estaria dizendo a autoridades em Brasília que era importante para o governo Bolsonaro a manutenção de Trump no poder, o diplomata foi alvo de uma ação do Comitê de Relações Exteriores da Câmara dos EUA.
O presidente do comitê, Eliot Engle, pediu explicações por escrito a Chapman. O embaixador nega ter defendido a reeleição de Trump nas negociações do etanol.
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