Em meio à mais grave crise dos últimos anos, o Brasil corre o risco de não saber exatamente o tamanho do buraco a que foi lançado durante a pandemia do coronavírus.
Não há quem duvide que a estagnação da atividade econômica e o confinamento social estejam gerando demissões em diversos setores, mas passado um mês do agravamento da crise sanitária, sabe-se muito pouco. Em outras palavras, não há estatísticas oficiais para o que trabalhadores do país estão enfrentando no dia a dia.
Tampouco se sabe como foram os meses que antecederam a chegada do coronavírus ao Brasil.
O Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), que mede o sobe e desce do emprego formal, ainda não foi divulgado neste ano. Nem os dados dos meses de janeiro e fevereiro foram divulgados ainda.
A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), pesquisa conduzida pelo IBGE por amostragem, e muito importante para medir a informalidade e o emprego por conta própria -além da taxa de desemprego oficial do país-, vai ter que mudar. A pesquisa passará a ser feita pelo telefone, modelo sujeito a distorções.
O seguro-desemprego, benefício que pode ser solicitado via internet, já está sendo pago aos dispensados pelo coronavírus.
Quantos são, no entanto, ainda não se sabe, e o Ministério da Economia não tem previsão de quando serão apresentados os dados do primeiro mês sob a pandemia.
Em outros países, como nos Estados Unidos, os dados do auxílio pago a desempregados são liberados semanalmente pelo Departamento de Trabalho. Na semana terminada em 11 de abril, 5,2 milhões de pedidos foram apresentados ao governo dos EUA. Até o dia 4, 6,6 milhões de americanos requereram o auxílio.
No Brasil, em fevereiro, 404 mil trabalhadores pediram o seguro-desemprego.
O economista da FGV e ex-secretário de Política Econômica Manoel Carlos Pires considera que existem hoje dois problemas relacionados a dados estatísticos. O primeiro tem relação com intervalo entre o que aconteceu e o momento da divulgação.
"Estamos passando por uma crise em que tudo acontece muito rápido. A diferença de um mês, que é um prazo que tradicionalmente a gente usa, ficou muito longa. A maioria das pessoas perdeu a bússola", diz.
O outro problema refere-se às eventuais interferências que as pesquisas de emprego e desemprego sofrerão por conta das especificidades do momento.
"Uma parte importante da população está presa dentro de casa e as empresas estão fechadas, não existe forma de procurar emprego. Então a estatística vai acabar distorcendo o número", afirma.
A solução seria o governo ampliar a divulgação de informações administrativas, como os dados de seguro-desemprego, que, para ele, é um bom termômetro da atividade econômica.
Poderia também divulgar o número de contribuintes ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) por tipo de inscrição, gerando mais um indicador do tipo de emprego vigente mês a mês.
"Todas essas informações ele [governo federal] tem administrativamente e poderia divulgar, seja para aumentar a tempestividade da informação, como é caso do seguro-desemprego, seja para dar uma informação adicional para que a gente possa medir melhor a realidade", afirma.
O pesquisador de mercado de trabalho Daniel Duque, da FGV, afirma que, apesar dos esforços do IBGE com a realização da Pnad Contínua, é inevitável que os dados do período resultem em um período de dúvidas e sob maior risco de erros de medição.
Sistema anterior Até dezembro de 2018, o então Ministério do Trabalho (hoje incorporado à Economia) mantinha ativo o Painel do Seguro-Desemprego. A página foi lembrada pelos dois pesquisadores como um instrumento pronto e disponível, que poderia ser rapidamente reativado pelo governo federal para fornecer informações.
Isso, porém, não deve acontecer. Segundo a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, o painel foi desativado pois a quantidade de acessos não justificava a manutenção do sistema, "que exigia emprego de recursos e servidores."
Em nota, a secretaria informou também que o Caged continuará suspenso até que haja a completa atualização das informações por parte das empresas.
No início deste ano, o governo já tinha mudado a divulgação dos dados devido à migração do sistema usado pelas empresas para declarar dados como admissões, demissões, férias e reajustes salariais.
Enquanto usavam o Caged, os empresários tinham até o dia 7 de cada mês para lançar as informais. Com a mudança para o eSocial (sistema de escrituração que promete simplificar a prestação de informações), a data limite mudou para o dia 15.
Segundo a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, 17 mil empresas deixaram de lançar corretamente as informações de demissões realizadas em janeiro no sistema. O número representa 2,6% do total das que tiveram movimentações (contratações e desligamentos) no período.
Também segundo a pasta, enquanto houver dúvidas sobre os dados do Caged, os números de pedidos seguro-desemprego não serão atualizados.
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