A Câmara dos Deputados adiou nesta terça-feira (25) para 31 de dezembro a entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados, após acordo costurado pelo governo com o apoio do centrão, partidos que compõem a base informal do presidente Jair Bolsonaro na Casa.
O trecho foi incluído na Medida Provisória 959 por destaque da bancada formada por PP, PL, PSD, Solidariedade, PROS, PTB e Avante. O texto-base da MP, aprovado pouco antes, regulamentou a operacionalização do pagamento do benefício emergencial do programa que prevê corte de jornada e salário e suspensão de contratos de trabalho.
A MP precisa ser analisada pelo Senado nesta quarta-feira (26) ou perderá a validade.
A MP, que trata da operacionalização do pagamento do benefício emergencial durante a pandemia, foi editada em abril e incorporou o adiamento da LGPD que foi considerado um "jabuti em árvore", quando o dispositivo não tem relação com o tema principal da MP.
É a terceira vez que a lei, aprovada em agosto de 2018 pelo governo de Michel Temer, é adiada, tendo uma das maiores vacâncias da história jurídica recente. A eficácia da legislação depende da ANPD (Autoridade Nacional de Proteção de Dados), que ainda precisa ser regulamentada pelo Executivo.
Inicialmente, a medida provisória enviada pelo governo incluía um artigo que adiava em oito meses a entrada em vigor de partes da lei que não tratavam da implantação da ANPD a norma passaria a vigorar em 31 de maio de 2021, em vez de 13 de agosto deste ano. O relator do texto, deputado Damião Feliciano (PDT-PB), retirou o trecho da MP, contrariando o governo.
O adiamento para 31 de dezembro deste ano foi resultado de um acordo construído para chegar a um meio termo. Parte do setor privado alega que é difícil para as empresas destinarem recursos para adaptação à lei durante a Covid.
A oposição vê no adiamento uma manobra do Executivo para continuamente evitar a entrada em vigor da lei, que regula como empresas do setor público e privado devem tratar os dados pessoais que coleta dos cidadãos. Os partidos de oposição também temem que, em janeiro, o governo edite outra medida provisória adiando novamente a entrada em vigor da lei.
O acordo para aprovação do adiamento contempla ainda a votação de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que inclui a proteção de dados pessoais como um dos direitos e garantias fundamentais. A proposta também inclui a criação da ANPD na Constituição.
No entanto, criticam os opositores, o problema é que a regulamentação da autoridade dependeria de um texto enviado pelo governo --o que, por exemplo, não aconteceu até hoje no caso de taxação de grandes fortunas, também prevista na Constituição.
Relator da PEC, o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) criticou o adiamento da entrada em vigor da lei. "Nós, há 3 meses, durante a pandemia, tomamos a decisão de adiar as sanções previstas na LGPD. Eu considero que foi uma atitude correta levando em conta as características e as circunstância da economia durante a pandemia", disse.
"Mas não faz nenhum sentido adiarmos a vigência, na medida em que ela servirá como uma medida de recomendação, servirá como uma medida de estímulo, para que os governos e o setor privado possam se adequar a essa norma."
O desenho da ANPD ainda é uma das principais incógnitas do setor. Nos últimos dias, cresceu a expectativa de que a autoridade seja vinculada à Casa Civil, como nos moldes do que definiu Temer antes de deixar a presidência.
O Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) surgiu como uma das opções recentes no debate após circulação de documento em que defendeu a ANPD em suas atribuições. Poucos dias depois, o governo respondeu que o decreto está pronto e que pode ser publicado a qualquer momento.
Em webinar do site Jota, Jorge Oliveira, ministro-chefe da secretaria-geral da Presidência, disse na quinta (20) entender que a proposta do Cade não é viável do ponto de vista jurídico.
O presidente Bolsonaro precisa indicar cinco nomes para a direção da autoridade. Os servidores serão realocados de outros quadros, já que o órgão não deve criar novas despesas à União.
A discussão sobre o adiamento da LGPD dividiu o setor privado e organizações da sociedade civil envolvidas no debate da lei. Cerca de 50 associações empresariais criaram a "Frente Empresarial em Defesa da LGPD e da Segurança Jurídica", em defesa da postergação.
Em carta recente aos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), argumentaram que o adiamento seria imprescindível porque "não há LGPD sem a autoridade".
"O que se espera da atuação da ANPD é que regulamente a lei e promova um ambiente de diálogo e segurança, de modo a proporcionar a liberdade necessária para que a "engrenagem" do direito digital possa funcionar com fluidez", afirmaram.
A frente diz que durante esse prazo deve ocorrer a criação da ANPD, a sua estruturação interna e os trabalhos em torno das peças regulatórias (que envolvem ampla e irrestrita consulta pública).
Também defende a PEC que inclui a proteção de dados pessoais na Constituição e fixa a competência privativa da União para legislar sobre o tema. Nesse sentido, estados e municípios não criam leis próprias sobre o tema.
A ala que defende que a LGPD entre já em vigor diz que isso é necessário justamente devido à pandemia, que intensificou a coleta de dados, e à proximidade das eleições.
"Estamos às vésperas de um processo eleitoral que será mediado pelas redes mais do que os anteriores, a campanha com base no uso de dados será massiva neste ano. Estão discutindo fake news e parlamentares não entenderam a relação entre o assunto e proteção de dados", diz Bia Barbosa, integrante da Coalizão Direitos na Rede.
A coalizão, que reúne uma série de organizações da sociedade civil, entende que se a lei entrar em vigor agora, pressiona o executivo para a criação da ANDP.
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