Funcionários da rede de restaurantes Coco Bambu que estavam com contratos suspensos por meio da aplicação da Medida Provisória 936 foram demitidos.
Segundo relatos ouvidos pela reportagem, nem todos receberam o valor integral da rescisão trabalhista, que é aumentada por decisão da MP.
Além disso, funcionários afirmam ter sido chamados para trabalhar durante o período em que o contrato estava suspenso.
A empresa havia suspendido contratos dos funcionários em abril. Com o fim do prazo de dois meses para suspensão chegando ao fim, 1.500 foram demitidos, equivalente a 20% dos 7.000 na folha de pagamento. A Coco Bambu não diz quantos foram incluídos no programa do governo.
Os irmãos Ronald e Ronan Aguiar, sócios-diretores na rede, negam que alguém tenha ficado sem receber os direitos trabalhistas. "A gente recebe com muito espanto e fica até um pouco chateado porque fez tudo da forma mais correta possível", diz Ronald.
Segundo relatos de funcionários da rede em São Paulo, garçons, cozinheiros, ajudantes, recepcionistas e maîtres foram chamados pela empresa para que comparecessem ao escritório na sexta-feira (22).
Deveriam levar a carteira de trabalho e o uniforme ou avental. Para entrar na sala do escritório localizado na avenida Braz Leme, na região norte de São Paulo, bolsas e telefones celulares tiveram de ser deixados fora.
Lá dentro, um funcionário da administração da empresa relatou como a situação econômica estava difícil e que o faturamento com o serviço de delivery não conseguia cobrir todos os gastos. Por isso, teria dito o gestor, havia a necessidade de fazer demissões.
Os empregados receberam então um recibo de rescisão do contrato. Os relatos sobre o que aconteceu depois variam de acordo com quem o contou.
A reportagem ouviu oito funcionários demitidos pela rede desde o início da pandemia do novo coronavírus. Três deles disseram ter recebido corretamente as verbas rescisórias e indenizatórias, como as multas do Fundo de Garantia e da demissão no período de estabilidade.
Os demais afirmam ter recebido um envelope com dinheiro que corresponderia ao acerto final. Esses valores, no entanto, eram menores do que o recibo da demissão indicava.
Um dos recibos a que a reportagem teve acesso detalha o recolhimento de tributos como Imposto de Renda e contribuição previdenciária, verbas trabalhistas como 13º e férias proporcionais, além de aviso prévio indenizado.
O documento lista também o valor da ajuda compensatória prevista pela MP 936 e a indicação de uma indenização por estabilidade. Esse funcionário diz ter recebido cerca de R$ 1.600 em um envelope, mas segundo o recibo entregue pela empresa, teria direito a R$ 5.000.
Os relatos dos ex-empregados são de que, nesses encontros para que fossem efetuadas as demissões, havia a sugestão de uma troca: quem aceitasse as condições poderá ser chamado de volta quando as atividades forem liberadas.
"Ficou claro que você tinha que assinar para garantir voltar quando as lojas reabrirem", diz um funcionário que trabalhou na unidade do Anhembi por quatro anos -praticamente desde a inauguração. Para ele, foi essa expectativa o que levou muitos empregados a assinar recibos com valores diferentes.
O sócio-diretor da unidade atribui os relatos à incompreensão com a situação e com o cálculo das demissões. Ele diz que funcionários podem ter ficado chateados com o fato de terem sido cortados.
Ronald Aguiar diz que, no dia em que as demissões foram efetivadas, alguns pediram para receber os valores em dinheiro, pois estavam com suas contas-correntes negativadas.
Um garçom que trabalhou na casa por cerca de quatro anos relata ter feito esse pedido, mas diz que os valores estavam corretos.
Outra funcionária do salão diz, no entanto, que o envelope que recebeu tinha o equivalente a 30% do que teria direito na demissão sem justa causa.
"Pagaram em dinheiro vivo. Quando eu estava voltando para casa vi que o recibo tinha um valor bem maior. Praticamente recebi só um salário", afirma uma ex-empregada. Segundo ela, que trabalhou no salão do restaurante por um ano e meio, o banco de horas também não foi pago.
Antes de ir embora, ela teve de fazer uma carta de próprio punho dizendo que a empresa havia pago corretamente todos os valores.
Os funcionários da Coco Bambu estavam no período de garantia previsto no programa emergencial de manutenção do emprego e renda. Criado pela Medida Provisória 936, que teve o texto-base aprovado na Câmara na semana, ele autoriza as empresas a suspender os contratos de funcionários por até dois meses.
Nesse modelo, se a empresa faturou mais de R$ 4,8 milhões em 2019, como é o caso da Coco Bambu, paga 30% do valor do salário do funcionário. O restante, equivalente a 70% do valor do seguro-desemprego a que empregado teria direito, são pagos pelo programa do governo.
Ao fim do período de suspensão, os trabalhadores têm estabilidade no emprego pelo mesmo período.
Se a demissão ocorre antes, a empresa tem que pagar um multa equivalente a 100% dos salários a que o funcionário teria direito durante o período de garantia de emprego.
A empresa garante ter pago a multa ao calcular as rescisões, mas Ronald e Ronan dizem que, sem a possibilidade de renovar a suspensão de contrato previstas na MP 936, foi necessário enxugar as despesas.
"A gente praticamente não fez demissão no começo [da pandemia] e foi queimando caixa para manter os funcionários, até porque a gente achou que ia demorar menos para passar", diz Ronald. Novas demissões não estão descartadas, a depender da velocidade com que a atividade econômica seja retomada.
O empresário diz que a preocupação da empresa era garantir que os funcionários tivessem acesso a todos os direitos.
Com os restaurantes fechados e o funcionamento restrito ao delivery e aos drive-thru, a remuneração das equipes de salão já estava menor, pois as gorjetas representam parte relevante dos ganhos.
Essa redução acabando tendo efeito sobre o valor do seguro-desemprego, que é calculado sobre a média dos três salários anteriores.
"Eu não teria coragem, como pessoa, como ser humano de fazer uma coisa dessa [não pagar corretamente as demissões] ou de jogar para o fato do príncipe", afirma.
Funcionários da rede em Florianópolis relatam ainda ter sido chamados a trabalhar no mês de abril, enquanto estavam com o contrato suspenso.
A unidade na capital catarinense teve a inauguração adiada. Quando o governo local permitiu o funcionamento de restaurantes, o plano de abertura foi retomado e, com isso, houve a necessidade de parte dos empregados voltarem à ativa.
A suspensão dos contratos, no entanto, foi mantida.
Uma ex-funcionária relata que, de R$ 3.000 a que teria direito, a empresa queria pagar apenas R$ 1.500 na rescisão do contrato. Quando recusou, escutou que a empresa usaria o "fato do príncipe" e que ela não receberia nada.
O fato do príncipe é o nome de uma controversa teoria do direito segundo a qual cabe aos entes públicos -governos estadual, municipal ou federal- a responsabilidade pelo pagamento de indenizações quando o encerramento da atividade ocorrer por decisão dessas autoridades.
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