A pandemia da Covid-19 continua devastando o mercado de trabalho brasileiro. Pior para as pessoas mais vulneráveis. A população de cor preta é a mais afetada: 1 a cada 5 estava sem emprego no trimestre encerrado em setembro - uma alta de 41% na comparação com dezembro de 2019.
Também está ruim para pardos e mulheres. Apesar de serem maioria na sociedade, elas perderam participação no mercado de trabalho.
Os números divulgados nesta sexta-feira (27) pela Pnad Contínua do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) sobre o trimestre encerrado em setembro mostram que o desemprego no país chegou ao recorde de 14,6%, atingindo 14,1 milhões de brasileiros. Desses, 5,1 milhões são brancos, 1,7 milhão são pretos e 7,1 milhões são pardos.
A análise aprofundada dos dados mostra um cenário de desigualdade racial cada vez maior. Pretos e pardos são, respectivamente, 12,6% e 50,5% dos desocupados, apesar de representarem 9,1% e 45,5% dos brasileiros.
O desemprego entre pretos chegou a 19,1%, uma alta de 41,4% na comparação com dezembro, último trimestre sem sentir os efeitos da pandemia, quando o índice para eles estava em 14,9%. O crescimento é superior ao dos pardos - que passou de 12,6% para 16,5% - e ao dos brancos, que variou de 8,7% a 11,8%.
É a maior marca da série histórica da Pnad Contínua, que calcula a desocupação oficial do país desde 2012.
Mais do que isso, os pretos tiveram uma perda de 2,2 milhões de pessoas na força de trabalho, caindo de 9,7 milhões para 7,5 milhões no período. E, assim, diminuíram sua participação percentual entre as pessoas empregadas, de 10,3%. O mesmo ocorreu com os pardos, com uma redução de 44,3% para 43,5% (5,9 milhões de pessoas).
Para a analista da pesquisa, Adriana Beringuy, os números indicam uma continuidade de uma distinção estrutural presente na sociedade brasileira.
"A gente acompanha que pretos e pardos têm taxa de desocupação maior, e isso pode estar ligado à questão da baixa escolaridade dessa população", disse.
Para Beringuy, essa é a continuidade de um processo que já existe e que em alguns momentos é intensificado --como diante de uma pandemia--, e em outros não. "Mas estruturalmente a diferença permanece."
Daniel Duque, do FGV-Ibre, apontou que a redução pela metade no auxílio emergencial, de R$ 600 para R$ 300, ajudou a inflar os números do desemprego, pois as pessoas se sentem na obrigação de procurar uma ocupação.
"E aí entra a população preta e parda, que tinha saído da força de trabalho e, quando volta, não encontra empregos", disse o pesquisador.
Ele afirmou que muitos dos empregos perdidos durante a pandemia foram postos de menores rendimentos e qualificação, nos quais se concentram as populações pretas e pobres. "Em momentos de crise, vemos uma maior discriminação racial e de gênero", disse Duque.
O mesmo comportamento é verificado entre as mulheres. Maioria na sociedade com 53,2% de representatividade, elas são minoria no mercado de trabalho. E a pandemia tem aumentado ainda mais a diferença para os homens.
Na força de trabalho, o percentual de participação delas caiu de 45,1% para 44,2% desde dezembro.
O mesmo ocorreu na população ocupada, indo de 44,1% para 43% no mesmo período.
Para Daniel Duque, do FGV-Ibre, isso pode ser explicado pelo fato de que, além de o mercado de trabalho ter enfraquecido, muitas delas enfrentaram a questão de os filhos não estarem frequentando a escola em razão do distanciamento social.
"Muitas abriram mão de suas ocupações porque precisavam cuidar dos filhos, que não estão indo para a escola. O peso do cuidado dos filhos recai mais sobre as mulheres", disse o pesquisador.
João Maurity Saboia, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), se disse chocado com os números do emprego no país. "Um horror."
Ele lembrou dados como o dos desalentados - que desistiram de procurar emprego por acreditarem que não vão encontrar uma vaga -, que agora somam 5,9 milhões. Também citou os subutilizados, aqueles que trabalham menos horas do que gostariam e que já somam mais 33,2 milhões.
Nas duas categorias, as altas foram de 24,7% e 20,9%, respectivamente, com relação aos mesmos períodos do ano passado.
O professor analisou que a questão racial é um problema estrutural. "Quem acaba ficando na frente desses números sempre serão pretos, pardos e jovens."
Outro dado que chamou a atenção na Pnad foi a queda de 788 mil empregos formais no setor privado, principalmente porque o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) vem informando recuperação.
Em setembro, mesma data da pesquisa do IBGE, foi anunciado o terceiro mês de recuperação no Caged, com a criação de mais 313.564 vagas. Já em outubro, o anúncio foi um recorde de 395 mil vagas.
Para Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, isso se deve ao caráter distinto de ambas as pesquisas.
Ele explicou que o saldo do Caged tem de ser analisado com diversas ressalvas, pois existe subnotificação. Já a Pnad tem viés amostral, está atrasada com relação à outra e considera um período de três meses. O economista entende que, no conjunto da obra, com os dados de outubro do Caged já divulgados, o cenário é positivo.
"Estão mostrando mercado de trabalho em recuperação. Mas não é um mercado em recuperação explosiva e isso ainda vai custar, tanto é que a taxa de desemprego não muda minha perspectiva e deve ir se acelerando até o segundo semestre do ano que vem", disse Sanchez.
A taxa de desocupação considera apenas as pessoas que procuraram um emprego no período da pesquisa e não conseguiram. Que não está trabalhando, mas não procurou emprego, não é computado como desempregado.
De acordo com o IBGE, a taxa de desocupação subiu em dez estados ao longo do terceiro trimestre do ano e ficou estável nos demais.
Os estados que demonstraram os piores índices foram Bahia (20,7%), Sergipe (20,3%) e Alagoas (20,0%).
Por outro lado, Santa Catarina (6,6%) teve a menor marca. Os maiores crescimentos foram registrados na Paraíba (quatro pontos percentuais, para 16,8%), Amapá (3,8 pontos, agora com 15,2%) e Pernambuco (3,8 pontos, para 18,8%).
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