Antes da pandemia, o delivery de comida já era um negócio em ascensão: no Brasil, cresceu 230% entre 2014 e 2019. E até 2024, deve ter mais um salto de 180%, segundo a Euromonitor International.
Chamadas de dark ou ghost kitchens, as cozinhas voltadas à entrega, que não recebem clientes, acompanharam esse boom - e podem gerar um mercado de até US$ 1 trilhão (cerca de R$ 5 trilhões) até 2030 no mundo, segundo a empresa de pesquisa.
Com a demanda em alta e um formato que permite investimentos mais baixos, esse formato de negócio tem chamado a atenção tanto de restaurantes estabelecidos, que querem intensificar o delivery, quanto de empreendedores que estão começando.
Dono do Tantan, em Pinheiros, São Paulo, o chef Thiago Bañares, 37, está no primeiro grupo: criou em abril, durante a pandemia, o Ototo, sua marca voltada ao delivery de bentôs, espécie de marmita japonesa, que foi hospedada em uma cozinha administrada pela empresa de entregas Rappi.
Com uma operação semelhante a um coworking, essas cozinhas ou hubs cobram uma espécie de mensalidade e oferecem uma estrutura básica (com gás, água e exaustão) para que a negócio comece a operar. A procura pelo serviço vem crescendo depois da pandemia, segundo o Rappi, que tem mais de cem cozinhas nesse formato em São Paulo, Campinas, Fortaleza, Recife, Curitiba e Belo Horizonte.
Ao adotar o modelo, Thiago conseguiu colocar o negócio para funcionar sem fazer grandes investimentos em construção ou reformas. "Também ajudou a entender o volume que a gente iria atingir antes de pensar em ter uma cozinha maior", diz o chef.
Começar a operação dentro de um hub pode ser uma boa saída para o empresário sem muita experiência ou muito dinheiro para investir, diz Alexandre Cymes, consultor de negócios em gastronomia. "Ele pode fazer um projeto-piloto e, se der certo, avalia se continua naquele ponto ou monta uma operação própria", diz.
A hamburgueria Osso Smash House, em Pinheiros, São Paulo, também surgiu na pandemia operando por delivery, mas optou alugar um espaço próprio. "Fizemos uma projeção de lucro para dois anos e concluímos que, se você pode investir em uma cozinha própria, vale a pena", diz Guilherme Mora, 21, sócio.
Ele planeja abrir duas dark kitchens até o meio do ano que vem, uma no Ipiranga e outra no Morumbi, com investimento de R$ 450 mil cada - menos da metade do valor para uma loja de rua. Guilherme estima que o tempo de retorno do investimento seja de 15 meses, quase um ano mais rápido do que a loja física. A maior parte do dinheiro, diz o empresário, é focada em equipamentos de cozinha.
Para determinar onde instalar o negócio, o empresário fez uma análise de público em um raio de sete quilômetros de um provável ponto para entender sua viabilidade. "O melhor é que você pode buscar imóveis que não têm um aluguel alto, porque ele não precisa estar em uma rua movimentada", diz Guilherme.
Aliada a investimentos mais baixos, a possibilidade de expandir a operação para bairros ou cidades com uma cena gastronômica menos saturada também é uma das vantagens do modelo de dark kitchen, afirma André Tarantino, 32, dono da Vinil Burger.
A marca, que tem duas lojas, uma em Pinheiros e outra nos Jardins, vai abrir começar a operar no fim do mês em um hub na Mooca, bairro da zona leste de São Paulo.
Como foram utilizados equipamentos de uma unidade fechada na pandemia, o investimento ficou em torno de R$ 10 mil ?para começar um projeto do zero em um espaço alugado, seja necessário entre R$ 100 mil e R$ 300 mil, estima André.
Para o empreendedor, negócios que já têm lojas físicas abertas conseguem tem mais facilidade na hora de se comunicar com o cliente virtual. A lógica também faz sentido para o Ototo e Osso, que vão abrir lojas independentes das dark kitchen onde o consumidor poderá ter uma experiência mais próxima com a marca.
"Meu cliente ainda busca um vínculo com o restaurante. O espaço físico vai ajudar o conceito do nosso delivery a estar mais embasado", diz Thiago Bañares, do Ototo.
Com uma cozinha de 200 m² no Itaim Bibi, a Papila Deli trabalha em três frentes: Papila Poke (cozinha havaiana), Papila Fresh (saladas e sopas); e Papila Wok (receitas asiáticas).
Quando a empresa abriu, há nove meses, seus sócios sentiram que era preciso "desmistificar" a operação voltada exclusivamente ao delivery. "Uma parte do público tinha resistência em pedir até entender se era bom", diz Bruno Kormes, 32, um dos donos.
Isso mudou com a pandemia, quando clientes ficaram mais abertos a experimentar novos produtos. Hoje, a taxa de fidelização é de 70% ?mas os esforços em marketing e comunicação continuam primordiais, diz Bruno.
Para quem não tem um ponto físico, construir uma relação com o público e se tornar relevante nas redes digitais é indispensável, lembra Alexandre Cymes, consultor gastronômico. Assim como desenvolver um mailing próprio. "Se você não diversificar sua base, a demanda pode ficar na mão de plataformas e isso é um risco", diz.
Além disso, o modelo das dark kitchens também pode ser desafiador porque o cliente tem, na mesma plataforma, uma grande variedade de opções à disposição, diz Rubens Massa, professor do centro de empreendedorismo e novos negócios da Fundação Getulio Vargas (FGV). Por isso, o empreendedor precisa ter bem claro qual é seu diferencial competitivo. "O empresário não deve confundir menor risco com menor necessidade com profissionalização", diz.
A Filone, empresa online de pães de fermentação natural vendidos em São Paulo e no Rio, tem acesso direto aos seus clientes, que têm de baixar um aplicativo da marca para fazer compras - e que permite agendar dia e hora da entrega.
"A facilidade conta muito. Conquistamos o cliente quando ele entende que seu cadastro dura menos de um minuto e que ele pode pedir pão de madrugada se perder o sono", diz Felix Opitz, 58.
O desafio, porém, é fazer com que o cliente baixe o recurso no telefone - mas esse movimento cresceu durante a quarentena. "De certa forma, a pandemia nos deu um impulso para ficarmos mais visíveis", diz Felix.
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