O governo federal anunciou nesta quinta-feira (25/5) que adotará medidas para baixar o preço de automóveis no país.
Geraldo Alckmin (PSB), vice-presidente da República e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, afirmou que para isso haverá uma redução de impostos federais para carros de até R$ 120 mil.
A decisão foi comunicada após uma reunião no Palácio do Planalto entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), e representantes da indústria automobilística.
Na mesma ocasião, Alckmin também anunciou que o governo disponibilizará uma linha de crédito de R$ 4 bilhões em dólares para financiamento de exportações, por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
A medida, segundo ele, serve como uma proteção cambial e abrangerá não apenas o setor automotivo, mas a indústria como um todo.
Lula já havia reclamado publicamente sobre os preços de veículos no país.
"A fábrica de automóveis não está vendendo bem, mas qual pobre pode comprar um carro popular de R$ 90 mil?", questionou Lula da Silva durante sessão inaugural do Conselho de Desenvolvimento, Econômico e Social, no início de maio.
No entanto, detalhes de como será o programa de fato ainda serão anunciados nos próximos 15 dias, após uma análise da Fazenda sobre o programa.
A BBC News Brasil conversou com analistas sobre o que foi divulgado até agora e os possíveis impactos destas medidas. Entenda a seguir.
O governo anunciou que fará uma redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), aplicado sobre a fabricação, importação e venda destas mercadorias, inclusive automóveis, e do tributos do Programa de Integração Social (PIS) e da Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins), que incidem sobre o faturamento das empresas e usados para financiar a saúde pública e Previdência Social.
O índice de redução ainda não divulgado pelo governo, mas o governo afirmou que a porcentagem do desconto será baseada em três critérios: social, eficiência energética e densidade industrial.
Isso significa que, na prática, automóveis mais baratos, menos poluentes e mais econômicos em gasto combustível, assim como os que possuem mais peças nacionais em sua composição, terão mais desconto.
De acordo com Alckmin, quanto mais critérios forem atendidos, maior será a redução no preço. Ele também sinalizou com a possibilidade de desconto maior por venda direta da indústria.
"Isso acontecerá para aqueles que têm um CNPJ de empresa e decidirem usar na hora de comprar o carro. A legislação brasileira permite que a montadora tenha uma taxa menor de impostos vendendo para empresas", explica Paulo Cardamone, presidente da Bright Consulting, especializada no mercado automobilístico.
Algumas duvidas continuam em aberto como por exemplo se a indústria será obrigada a repassar as reduções nos impostos para o consumidor final.
Ou, por exemplo, por quanto tempo essas medidas vão valer, já que o governo afirmou que se trata de um programa transitório que visa reduzir a ociosidade da indústria automobilística brasileira.
A expectativa do governo é que a redução de impostos faça o preço dos automóveis cair entre 1,5% a 10,79%.
Cardamone avalia que a redução de impostos tem o potencial de baratear mais de um quarto dos modelos à venda atualmente.
"Para se ter uma ideia do tamanho da mudança, hoje nós temos aproximadamente 600 modelos de veículos sendo vendidos e cerca de 160 deles, 25%, estão dentro dessa faixa de preço passível de desconto, e representam 47% do volume de carros no mercado", diz o analista.
Cardamone afirma que, considerando o objetivo de tornar os veículos mais acessíveis para quem tem menor renda, o limite de R$ 120 mil é razoável.
"A redução para faixa de preço mais altas privilegiaria apenas quem tem renda muito alta."
No entanto, detalhes da fórmula que será aplicada ainda não são conhecidos para se poder precisar quanto o preço de cada modelo poderá cair.
Após o anúncio, o presidente da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Márcio Lima Leite, pode levar o preço dos modelos mais em conta ficar abaixo de R$ 60 mil.
No entanto, os carros mais baratos hoje no Brasil, Renault Kwid e Fiat Mobi, ficariam acima disso com os índices anunciados pelo governo.
Se eles recebessem a redução máxima prevista, de 10,79%, por exemplo, passariam dos R$ 68.990 atuais para R$ 61.545.
Analistas apontam que uma redução de impostos que barateie os carros tem o potencial de aumentar as vendas e, portanto, reaquecer a produção indústrial.
Isso, por sua vez, aumentaria a oferta de empregos e a renda de parte da população, estimulando o consumo e aumentando a arrecadação do governo, beneficiando a economia de forma geral.
“Se bem desenhado, o programa do veículo acessível poderia trazer, inclusive, um equilíbrio na arrecadação, porque estaria substituindo veículos usados que geram imposto menor, com marginal impacto positivo nos empregos, agradando o governo em termos políticos", avalia Cardamone.
O faturamento do setor, que caiu 43% em dez anos, também é um fator importante por trás da medida.
"O Brasil já produziu cerca de 3,8 milhões de veículos em um ano, e hoje esse número está estagnado em um patamar de 2 milhões de veículos. É uma ociosidade de quase 50% da produção, o que não é normal no setor automotivo, que precisa ocupar ao menos 70% de sua capacidade produtiva", afirma Cardamone.
"O governo olha esse setor, que já teve grande contribuição tributária, e procura uma forma de tentar recuperar isso."
Cardamone aponta que um ponto importante a ser considerado é a duração do benefício.
"A medida não pode ser eterna porque é uma renúncia fiscal importante. Não se sabe se vai durar seis meses, um ano… Particularmente, eu acho que em um intervalo entre julho a dezembro, por exemplo, funciona."
O analista calcula que o programa teria o potencial de aumentar as vendas em aproximadamente 120 a 130 mil automóveis em seis meses — um crescimento 6% acima do previsto atualmente para o setor.
Por outro lado, aponta o analista, a renúncia fiscal neste mesmo período deve girar em torno de R$ 4 bilhões.
"Se a medida durar um ano, já são R$ 8 bilhões a menos para um governo que não passa por um momento econômico fácil."
Antonio Jorge Martins, coordenador acadêmico dos cursos da área automotiva na Fundação Getúlio Vargas (FGV), aponta que não vê estes impactos acontecendo "da noite para o dia" e acrescenta que pode ser necessário ir além do corte de impostos.
"Talvez não somente a redução dos preços, mas também as melhores condições de obtenção de financiamento, resultem em um cenário melhor para aumentar a produção do setor."
Lula tocou neste ponto horas depois do anúncio, em evento na Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), quando voltou a criticar o preço atual dos carros e os altos juros que impedem o consumidor de buscar crédito.
O presidente afirmou que a maioria dos carros vendidos no ano passado foram vendidos à vista, segundo ele, "porque não tem política de crédito para financiar. E a classe média baixa não está comprando mais carro, porque um carro popular de R$ 90 mil não é mais popular".
Martins ressalta ainda que o imposto que mais impacta o preço de veículos atualmente é o ICMS, cobrado pelos Estados.
"Eu não sei exatamente do entendimento do governo federal com os Estados no sentido de propiciar também a redução do ICMS, mas acredito, inclusive, que a redução desse imposto seria mais relevante do que os impostos federais."
Embora haja uma expectativa de redução nos preços, a volta dos carros populares como os brasileiros já conheceram não deve acontecer, segundo os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil.
Isso porque os veículos vendidos com este mote em épocas passadas, quando a indústria tinha números de produção e venda bem superiores aos atuais, se tornaram ultrapassados e não têm mais lugar no mercado hoje.
"O carro popular antes se caracterizava por um baixo nível de segurança e opções bastantes reduzidas de conforto e tecnologia. Não é mais possível usar esse termo - o que teremos daqui para frente são 'carros de entrada'", afirma Martins.
Cardamone explica que o aumento dos preços nos últimos anos se deveu a um processo de modernização dos modelos.
"É importante para o Brasil ter segurança em termos de menos acidentes e ser responsável com o meio ambiente. Ou seja, se juntar a regulação ideal com esse consumidor de maior poder aquisitivo, que quer tudo no carro, conectividade, infoentretenimento, ter o 'iPhone' dos carros, não tem o que fazer — o preço sobe."
Há também outros motivos, mais abrangentes, que afetaram os preços e a capacidade de compra da população.
Custos gerais de logística, frete e acesso à elementos de tecnologia encareceram no Brasil e no mundo afetados pela pandemia da covid-19, conforme apontado em uma reportagem da BBC News Brasil.
"Paralelamente, aqui no Brasil, nós tivemos uma desvalorização cambial e também tivemos a inflação. Isso tudo fez com que as empresas passassem a repassar esses custos aos seus consumidores finais", complementa Martins.
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