O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, voltou a considerar que a alta recente de preços que tem elevado a inflação nos últimos meses é um movimento temporário, que tende a se normalizar. "O BC está sempre prestando atenção em tudo que está acontecendo. Nossa opinião é de que os componentes que estão gerando essa inflação mais alta são passageiros", afirmou, em entrevista ao canal MyNews.
Campos Neto destacou que parte da inflação de curto prazo vem do efeito do câmbio misturado com a alta nos preços das commodities. "O preço das commodities subiu e a moeda do Brasil e de outros emergentes desvalorizou. Também há um efeito substituição pela alimentação no domicílio. Além disso, o próprio auxílio emergencial elevou o consumo de itens cujos preços subiram mais rapidamente", detalhou.
Para Campos Neto, esses três componentes devem deixar de pressionar os preços. "O câmbio já está nesse nível há algum tempo e esse efeito (na inflação) tende a se estabilizar. Com a reabertura da economia, o consumo de serviços deve aumentar, reduzindo o efeito substituição. E a parte do auxílio emergencial tende a amenizar com a redução das transferências de renda", projetou.
Campos Neto destacou que o horizonte relevante da política monetária tem um prazo mais largo, de olho no fim de 2021 e em 2022. Por isso, ele destacou que a instituição busca entender quais fatores da inflação atual podem gerar impacto na inflação futura. "O BC não olha a inflação no dia a dia, porque as medidas que tomamos demoram a fazer efeito. O BC está atento e tem um horizonte um pouco mais longo do que olhar a inflação de hoje. Estamos sempre tentando entender quais são os componentes da inflação que podem gerar uma inércia inflacionária para frente", completou.
O presidente do BC destacou que também havia críticas no começo da pandemia de covid-19, quando os índices de inflação estavam muito abaixo do piso da meta para este ano. Ele ressaltou, no entanto, que já era esperado um aumento nos preços quando o auxílio emergencial e outras medidas do governo impactassem a economia.
Campos Neto repetiu também que o quadro fiscal brasileiro é hoje o principal componente de risco para o mercado. "A dinâmica do mercado é reflexo do risco, e nosso risco hoje é fiscal. Tudo é reflexo do fiscal", afirmou. "Temos alertado governo e entendemos ser importante importância de endereçar essa dinâmica fiscal" completou.
O presidente do BC reforçou que dúvidas sobre a trajetória fiscal do País podem impactar as projeções para a inflação nos próximos anos. "A gente já teve isso no Brasil. Quando você entende que o fiscal está descontrolado e que a saída do fiscal lá na frente é um processo inflacionário, o câmbio desvaloriza, a curva de juros fica muito inclinada, a inflação implícita de prazo longo sobe, contamina o meio da curva e eventualmente contamina o início da curva", comentou.
Ele explicou que o elevado endividamento do governo para bancar as despesas no enfrentamento à pandemia de covid-19 forçou uma mudança estrutural no financiamento do Tesouro Nacional. "Sempre dissemos que um gasto tão grande na pandemia iria pressionar a rolagem da dívida. Isso sempre foi dito pelo BC e está acontecendo. O Tesouro está reagindo e temos conversado bastante", acrescentou.
O presidente do BC lembrou que em crises, como a atual, o mercado tem menos apetite a risco, o que força a uma mudança na estratégia de emissões de títulos pelo Tesouro. "Um dos efeitos colaterais da dívida crescer tanto em um ano é que o financiamento desse excesso se dá por meio de uma mudança na estrutura da dívida. Você acaba encurtando a dívida e fazendo mais pós-fixado que pré-fixado", explicou.
Campos Neto destacou que a agenda de competitividade da autoridade monetária continua para 2021. "Temos o objetivo de melhorar o microcrédito, aumentar o cooperativismo, ter mais fintechs. A concentração bancária já vinha caindo antes da pandemia e precisamos voltar à normalidade em termos de intermediação financeira", afirmou.
Entre as iniciativas citadas por ele para o próximo ano estão o avanço do Open Banking, a consolidação do PIX e criação novas funcionalidades para a plataforma de pagamentos instantâneos. "Queremos avançar também no processo de conversibilidade da moeda, avançar na moeda digital e vamos começar a olhar como esses projetos de tecnologia vão desembocar lá na frente em um sistema mais competitivo", completou.
O presidente do Banco Central repetiu que, provavelmente, haverá troca de operações compromissadas pelos depósitos remunerados. O projeto que autoriza o BC a usar o instrumento foi aprovado há três semanas pelo Senado e ainda depende do aval da Câmara dos Deputados.
Ele detalhou que a substituição das operações compromissadas pelos depósitos remunerados tem o objetivo de eliminar distorções contábeis e aproximar os conceitos de dívida bruta e dívida líquida. "No nosso conceito de dívida bruta, as reservas internacionais não entram. Isso é corrigido no conceito de dívida líquida. O conceito de dívida bruta é mais um conceito contábil do que a demonstração de uma fragilidade do País. Já o depósito remunerado faz com que as duas pontas fiquem do mesmo lado do balanço", explicou.
Por isso, segundo ele, os depósitos remunerados farão com que a dívida bruta se reduza, sem impacto na dívida líquida. Desta forma, a tendência é de que os dois conceitos convirjam ao longo dos anos.
Campos Neto ressaltou que as agências de classificação de risco e os economistas que avaliam o Brasil já embutem essa divergência nos cálculos. "Quem realmente analisa o risco do Brasil, elas também olham as reservas. Se você melhora o conceito de dívida bruta apenas com essa manobra contábil, isso não faz o risco-país melhorar. As pessoas saberão fazer a conta", ressaltou.
Por isso, ele destacou a importância de instrumentos que reduzam não apenas a dívida bruta, mas também a dívida líquida. "Não tem mágica para melhorar perfil da dívida, não é substituir um instrumento por outro que vai fazer isso. O perfil da dívida vai melhorar se governo arrecadar mais e gastar menos, é meio simples", completou.
O presidente do BC lembrou ainda que os depósitos remunerados reduzem o volume de vencimentos de papéis nas rolagens do BC e cria facilidades operacionais, além de ser um instrumento mais barato. "É um instrumento que vai facilitar a vida do BC. Temos hoje estoque de compromissadas muito alto que cria anomalias", concluiu.
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