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Congresso tenta aprovar reforma tributária após décadas de fracassos

Congresso tenta aprovar reforma tributária após décadas de fracassos

Com décadas de atraso, a mudança pode colocar o Brasil no mapa dos países que cobram um IVA (Imposto sobre Valor Agregado), reduzindo a burocracia para as empresas

Publicado em 2 de julho de 2023 às 14:54

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BRASÍLIA, DF - Após décadas de fracassos, a Câmara dos Deputados tenta nesta semana avançar na discussão da reforma tributária com a votação de uma PEC (proposta de emenda à Constituição) que unifica cinco tributos sobre consumo.

Com décadas de atraso, a mudança pode colocar o Brasil no mapa dos países que cobram um IVA (Imposto sobre Valor Agregado), reduzindo a burocracia para as empresas e abrindo portas para o ingresso de maiores investimentos internacionais.

A sensação entre membros do governo, parlamentares e especialistas é de que nunca houve chance melhor. Não tanto pela anuência dos atores envolvidos, mas pelo consenso de que o atual sistema está falido e precisa ser abandonado.

Deputados em sessão do Congresso Nacional
Deputados em sessão do Congresso Nacional. (Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados)

O desenho em vigor começou a ser estruturado em 1965, quando uma emenda constitucional criou o Sistema Tributário Nacional e instituiu a base de alguns dos tributos em vigência até hoje, como o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados), o ICM (Imposto sobre Circulação de Mercadorias, que depois veio a ganhar o S de serviços) e o ISS (Imposto sobre Serviços).

A descentralização da cobrança, com segregação de atividades econômicas em diferentes bases de tributação e distribuição de competências entre União, estados e municípios, é uma das principais características desse sistema. Outro princípio é o recolhimento dos tributos não só onde há o consumo (destino), mas também onde os bens são produzidos (origem).

A escolha acabou vinculando o Brasil a um modelo que já na década de 1960 se mostrava defasado, à medida que países da Europa iniciavam a migração para o IVA.

A França implementou seu imposto sobre consumo em 1954, inicialmente cobrado apenas sobre produtos. Os franceses incorporaram os serviços à base de cálculo do IVA em 1968. Um ano antes, em 1967, a Dinamarca implementou o primeiro IVA completo.

Hoje 174 países adotam o sistema IVA para tributar o consumo.

A legislação do PIS/Cofins, dois tributos que seriam substituídos pelo novo IVA, tem mais de 2.000 páginas, das quais 60 páginas são só de índice. É um emaranhado de regras, muitas vezes definidas conforme o setor ou tipo de produto, com regimes especiais que buscam aliviar a carga sobre determinado segmento com poder de pressão.

Na legislação do ICMS, o problema é ainda mais complexo. Em Minas Gerais, por exemplo, há 15 alíquotas, 41 hipóteses de crédito presumido, 61 situações de redução de base de cálculo, 82 de diferimento e ainda 233 isenções envolvendo milhares de itens. Somente o regulamento do imposto no estado tem cerca de 1.000 páginas, sem falar em instruções normativas, resoluções e portarias.

Como o ICMS é um imposto estadual, toda essa complexidade se multiplica por 27  — um regulamento para cada unidade da federação.

A economista Vanessa Canado, coordenadora do Núcleo de Pesquisas em Tributação do Insper e ex-assessora especial do Ministério da Economia, ilustra a dificuldade dos contribuintes.

Como a cobrança do imposto é feita "por dentro", embutida no preço antes mesmo de o produto chegar às gôndolas, os estados publicam a chamada pauta fiscal com uma aproximação do que seria o preço final para então conseguir cobrar o tributo na saída da fábrica. "Se a empresa vende sabonete, são muitos tipos, e a pauta fiscal muda a cada dois meses. E você precisa descobrir isso em 27 estados", diz.

No caso dos combustíveis, a lei já diz que o tributo é devido no local de consumo, mas os estados querem cobrar na origem, onde o produto é refinado. Há um sistema elaborado exclusivamente para fazer o encontro de contas entre quem recolheu e quem tem direito sobre a receita, considerando uma pauta fiscal que muda a cada 15 dias. "São formas bizarras de tentar coordenar um sistema sem muita racionalidade", critica Canado.

O ISS, por sua vez, tem regras próprias em cada um dos 5.570 municípios. Segundo ela, o Congresso tentou minimizar o caos tributário nessa seara por meio da lei complementar 116, que fixou uma lista dos serviços que os municípios podem tributar.

"É superdifícil você ver aquele serviço dentro da lista, a economia é cada vez mais complexa. Então agora a dificuldade é enquadrar o serviço, alguns podem acabar não sendo tributados. A gente vai fazendo puxadinho para tentar resolver o problema e só desloca o problema", afirma.

A lógica de um IVA é totalmente diferente: tributar o consumo, independentemente do artigo adquirido (se produto ou serviço), e garantir que não haja cobrança de imposto sobre outro imposto.

Na elaboração da Constituição de 1988, os congressistas chegaram a debater uma proposta de adoção de um IVA, mas mesmo os estados que seriam beneficiados resistiram diante das incertezas sobre como se daria a arrecadação apenas no destino, num ambiente de pouca informatização e dificuldades para a fiscalização, explica Melina Rocha, consultora internacional de IVA.

Rocha escreveu sua tese de doutorado sobre o histórico das tentativas de reforma tributária no Brasil. Ela avalia que o contexto da proposta atual é "bem diferenciado" na comparação com tentativas anteriores. "Há uma conjunção de interesses convergentes em prol da reforma."

Ela destaca que o governo Lula (PT) criou uma secretaria extraordinária da reforma tributária, comandada por Bernard Appy, um dos técnicos mais experientes e engajados na discussão, além de ter outros atores importantes em defesa da proposta, como o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e os ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento e Orçamento).

"Eles estão apoiando não só politicamente. O governo federal vai aportar recursos para um fundo de desenvolvimento regional e também outro fundo para compensar benefícios fiscais convalidados", diz Rocha, ressaltando que a injeção de dinheiro federal sempre foi um ponto de entrave.

"Nós também vemos uma Câmara muito alinhada para aprovação, o relator [deputado] Aguinaldo Ribeiro, o [presidente da Câmara, Arthur] Lira querendo votar na próxima semana, e também alinhado com o Senado. É um clima de total apoio à reforma", afirma.

O clima se distingue de tentativas anteriores. No governo FHC, a PEC (proposta de emenda à Constituição) 175/1995 resgatava pontos da proposta de IVA debatida na Constituinte e chegou a ter parecer aprovado em comissão especial na Câmara, em 1999. No entanto, em um contexto de crise econômica, a proposta perdeu apoio do próprio Executivo.

Lula 1 apresentou a PEC 233/2008, cuja formulação técnica era de Bernard Appy. O texto também foi aprovado na comissão, mas não passou disso e travou nas resistências do estado mais rico do país. "São Paulo foi o principal 'veto player' porque não aceitava o princípio do destino", analisa Rocha.

O conflito federativo sempre é um dos pontos mais delicados. Com um modelo já sedimentado, embora complexo, os estados e municípios temem perder fontes de arrecadação.

Agora não é diferente. Embora a agenda da reforma seja prioritária para o governo, ainda há pontos de divergência.

Um dos principais é a criação de um Conselho Federativo para arrecadar a parcela do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) que caberá aos estados e municípios onde ocorreu o consumo. Na avaliação dos especialistas, esse desenho é crucial para garantir o repasse dos recursos, uma vez que o órgão será autônomo.

Diferentes governos tentaram reformar o sistema tributário desde os anos 1960

REGIME MILITAR

1965

1966

1970

SARNEY

1988

COLLOR

1991

1992

FHC

1995

1996

1998

1999

2000

LULA 1 E 2

2003

2004

2007

2008

DILMA

2013

TEMER

2017

BOLSONARO

2019

2020

2021

LULA 3

2023

JUNHO DE  2023

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Fontes: Observatório de Política Fiscal (a partir de dados da Receita Federal e do Tesouro Nacional), legislação federal, livro "Reforma tributária no Brasil; ideias interesses e instituições" (tese de doutorado de Melina Rocha), Câmara dos Deputados, Senado Federal e CNI (Confederação Nacional da Indústria).

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