Seis meses de pandemia reviraram a cesta de consumo de boa parte dos brasileiros confinados em casa. Essa mudança aparece com nitidez no movimento dos preços de produtos isoladamente, mas acaba escondida dentro dos índices gerais de inflação, que continuam muito baixos.
Dos dez itens com peso relevante no consumo das famílias e que ficaram mais caros entre março e agosto, seis são alimentos básicos, mas apareceu também o videogame. Entre os alimentos, está o arroz, que ganhou destaque depois que o presidente Jair Bolsonaro pediu "patriotismo" dos donos de supermercados para tentar segurar o repasse dos aumentos de preço do cereal para o consumidor. Já entre os dez preços que mais caíram no período, oito foram itens ligados à mobilidade, refletindo a recomendação para não sair de casa.
Feijão preto, leite, arroz, óleo de soja, farinha de trigo e acém (carne de segunda) subiram dois dígitos no período, os dois primeiros com altas superiores a 20%. A comida mais cara impacta em especial no bolso dos mais pobres, que proporcionalmente gastam mais com alimentos.
Já entre os dez preços que mais caíram entre março e agosto, destaque para a passagem aérea, que despencou mais de 50%, seguida pelo transporte por aplicativo (-21,86%) e pelo etanol (-14,73%). Os números fazem parte de levantamento feito, a pedido do Estadão, pelo economista André Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor da Fundação Getulio Vargas, com base nos preços coletados pelo IBGE para calcular a inflação oficial, o IPCA.
"Com as famílias trancadas dentro de casa, a prioridade virou a alimentação e os produtos e serviços ligados ao ir e vir perderam importância", diz Braz. Apesar de os brasileiros terem comprado mais comida para preparar em casa, o economista acredita que o que mais pesou na alta dos alimentos foi a desvalorização do real e o aumento das exportações. O aumento do consumo doméstico, no entanto, teve uma contribuição menor, diz ele.
Já no território oposto, de baixa de preço durante a pandemias, passagens aéreas, hospedagem em hotel (-9,77%) e dos pacotes turísticos(- 6,16%) formam, segundo o economista, o trio mais emblemático do isolamento social.
Outro resultado importante apontado pelo levantamento é que preços de produtos ligados ao conforto doméstico também estão entre os que mais foram majorados. Entre março e agosto, o computador pessoal ficou quase 20% mais caro e os aumentos do videogame e da TV passaram de 10% com a alta da demanda. Também o tijolo, usado em pequenas reformas domésticas, teve alta de 16,4%.
Diante de uma inflação geral muito baixa acumulada no período, de 0,24% pelo IPCA, e de tantos altos e baixos de preços, a impressão que fica é que os índices de custo de vida se descolaram da realidade da população. Fábio Romão, economista da LCA Consultores, lembra que a tendência do consumidor é sempre olhar para os preços que estão subindo e esquecer daqueles que recuaram. "As pessoas estão gastando mais no supermercado, mas reduziram as despesas com combustível porque saem pouco de casa."
Marcio Milan, economista da Tendências Consultoria Integrada, explica que é preciso ressaltar que o índice de inflação é "uma construção geral". Isto é, é uma média ponderada de muitos itens que sequer entram na cesta de consumo de uma pessoa específica, mas têm peso importante na inflação geral.
Nas contas de Milan, os preços da alimentação no domicílio devem subir 9,4% este ano, ante 7,8% em 2019. Ele observa que, entre os chamados preços livres, grupo no qual estão os alimentos, os serviços pesam 50%. Logo, ele acredita que a forte alta dos alimentos neste ano será compensada pela queda nos preços os serviços, que estão sendo muito impactados pela pandemia.
Romão faz coro com Milan e diz que os serviços e os preços administrados deverão compensar as fortes altas dos alimentos em 2020. O economista da LCA espera inflação de 1,7% em 2020, abaixo do piso da meta. "Todos esses efeitos tendem a se anular", completa Braz. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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