A recessão econômica provocada pela pandemia do novo coronavírus deve agravar o déficit da Previdência Social e ameaça retardar os efeitos da reforma.
As novas regras de aposentadorias e pensão foram aprovadas no ano passado para tentar equilibrar as contas do sistema previdenciário brasileiro.
No ano passado, o rombo do Regime Geral da Previdência Social (RGPS), sistema voltado aos trabalhadores do setor privado, ficou em R$ 213,2 bilhões.
O montante equivale a cerca de 3% do Produto Interno Bruto (PIB) de 2019.
Para 2020, a Lei Orçamentária Anual (LOA) já previa um déficit maior, de R$ 241,2 bilhões. Antes da pandemia, isso representava em torno de 3,1% do PIB.
Com o efeito da recessão ainda incalculável do novo coronavírus, somado ao aumento do desemprego e à falência das empresas, o rombo deve subir para ao menos 3,8% do PIB.
O cálculo é da pesquisadora Vilma Pinto, da área de economia aplicada do FGV Ibre. Nas contas, a especialista considera a queda na contribuição do mercado formal de trabalho, em meio à expectativa de aumento do desemprego, e também do informal, pela contribuição de autônomos e Microempreendedor Individual (MEI), mesmo que em volume menor.
Dados oficiais do governo também indicam tendência de ampliação do rombo.
No relatório bimestral de receitas e despesas divulgado em maio, o Ministério da Economia reduziu as estimativas de arrecadação do RGPS neste ano em R$ 34 bilhões.
Com isso, sob os efeitos iniciais da crise do coronavírus, o rombo no sistema iria a R$ 276,5 bilhões, um aumento de 15% em relação à previsão incluída inicialmente no Orçamento do ano.
A ampliação na estimativa de déficit supera com folga a economia aos cofres públicos prevista para 2020 com a reforma da Previdência para o setor privado, de R$ 3,5 bilhões.
O impacto da medida aumenta ao longo do tempo e chega a R$ 621 bilhões para o INSS em uma década.
Dados do Tesouro mostram que somente em abril, a arrecadação para o RGPS despencou 34,6%, se comparado com o mesmo mês de 2019. A perda de receita no período de 30 dias foi de R$ 12 bilhões.
Mesmo a projetada retomada da atividade econômica em 2021 depois do baque sofrido neste ano não garante que as contribuições previdenciárias melhorarão e que o rombo da Previdência voltará a diminuir, diz a pesquisadora.
"Na questão do emprego, a gente tem uma recuperação mais forte do setor informal do que do setor formal. O setor formal, dos empregos perdidos, pode demorar um pouco mais para se recuperar."
Sob impacto da pandemia e de medidas restritivas nas cidades, o Brasil perdeu 1,1 milhão de vagas com carteira assinada em março e abril, segundo informações do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged ).
Na avaliação de Felipe Salto, diretor-executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), "não tem escapatória" para o déficit previdenciário.
"A crise está afetando fortemente o PIB, o emprego e a renda. A Previdência vive de contribuições do empregado e do patrão. Nesse sentido, espera-se que o rombo aumente neste ano."
Outro ponto que tem relação com o aumento de desemprego é o maior número de falências de empresas, também em decorrência da queda de demanda provocada pela pandemia.
Em abril, houve um crescimento de 8,3% em relação ao mesmo período de 2019, segundo dados da empresa de informações financeiras Serasa Experian -e isso apesar de o governo ter anunciado medidas econômicas para tentar socorrer as companhias, como a liberação de empréstimos para pequenos negócios conseguirem pagar seus funcionários.
A baixa demanda, provocada justamente pela exigência de que as empresas não pudessem demitir os funcionários, levou o governo a reavaliar a medida.
"Todo o socorro prometido pelo governo federal não está chegando a essa ponta. Você tem um fechamento muito grande de empresas. E a retomada disso acaba sendo mais lenta, não acontece da noite para o dia", afirma André Marques, coordenador-executivo do Centro de Gestão e Políticas Públicas do Insper.
Essa demora compromete a retomada do mercado formal de trabalho, que crescerá a um ritmo mais devagar do que foi o do aumento do desemprego.
"Se a gente já tinha uma dificuldade disso antes da crise e uma quantidade imensa de informais, agora, então, a chance de você ter um aumento na quantidade de informais mesmo numa retomada, num primeiro momento, é gigantesca."
Mesmo com o freio potencial nos efeitos da reforma, Marques ainda avalia que a aprovação das mudanças na aposentadoria ajuda a amenizar o impacto sobre o sistema previdenciário.
"A reforma acabou vindo num momento em que ajuda a ficar menos pior. Sem a reforma, com certeza ia ser pior ainda", afirma.
"Mas longe de ser suficiente para enfrentar um desafio como esse. Ninguém previa uma catástrofe como essa."
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