Após o pedido da Gol para entrar em recuperação judicial nos Estados Unidos, começa a circular no mercado de aviação a expectativa de que a Azul possa vir a público afirmar que tem interesse em adquirir ativos da concorrente.
Procurada pela reportagem, a empresa não respondeu se pretende declarar algum apetite pela Gol, mas o gesto não surpreenderia o setor, já que a Azul sempre manifestou esse desejo nas ocasiões em que suas rivais passaram por situação semelhante -- ainda que não tenha conseguido chegar perto de abocanhar uma das grandes concorrentes.
O movimento mais ostensivo da Azul aconteceu em 2019, quando a Avianca Brasil entrou em recuperação judicial.
Na época, a Azul assinou um acordo não vinculante superior a US$ 100 milhões para adquirir ativos da companhia, incluindo os cobiçados slots (autorizações de pouso e decolagem) da rival no aeroporto de Congonhas, na zona sul da capital paulista, para voar o rentável trecho Rio-São Paulo, além de contratos de leasing de aviões.
O projeto, porém, se perdeu em meio a disputas que racharam o setor com questionamentos na Justiça e reclamações de que a companhia não poderia vender slots porque eles não seriam ativos, mas concessões, que, portanto, deveriam ser redistribuídas.
Por fim, a Azul desistiu da oferta e seu CEO, John Rodgerson, acusou Latam e Gol de atrapalharem a transação com o objetivo de evitar a concorrência na ponte aérea, depois que a dupla entrou no páreo pela aquisição com uma proposta sincronizada, também frustrada.
Pouco tempo depois, quando a pandemia colocou os aviões no chão e a Latam precisou recorrer ao chapter 11 (como é chamado o processo de proteção contra falência na Justiça americana), a Azul fez uma nova investida.
Porém, Rodgerson viu frustrada sua tentativa de fazer uma oferta hostil pela rival, porque a Latam apresentou seu plano de recuperação judicial a tempo de manter a exclusividade na negociação com credores.
Segundo especialistas no setor, o cenário atual é bastante diferente das outras ocasiões, e a hipótese de uma investida da Azul, desta vez, encontraria mais dificuldades.
As estatísticas da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) estimulam otimismo pela recuperação da demanda perdida na pandemia da Covid-19, com 112,6 milhões passageiros movimentados em 2023, o melhor resultado desde 2020.
No entanto, o setor ainda lamenta a escalada do preço do combustível --impulsionada pela Guerra da Ucrânia-- e sofre pressão do governo para reduzir os preços das passagens.
Esse cenário afeta não só a Gol, que enfrenta hoje um momento de endividamento mais delicado e cuja recuperação judicial foi aceita pela Justiça americana na sexta-feira (26), mas também as outras companhias, que já precisaram reestruturar suas dívidas. Só a Gol declarou dever R$ 40 bilhões.
Especialistas no setor avaliam que faltaria capital se a Azul quisesse fazer um gesto na direção da Gol e teria de levantar com terceiros.
Para o ex-diretor-presidente da Anac Marcelo Guaranys, hoje sócio do Demarest Advogados, a incompatibilidade das frotas poderia tornar o negócio menos atrativo no caso de um eventual interesse da Azul pela Gol.
"É natural ver um movimento de tentativa de aquisição de uma pela outra num momento de fraqueza de uma. É uma forma mais fácil de fazer crescimento. Agora, tem de lembrar que a Gol opera [aviões da] Boeing, e a Azul opera Embraer e Airbus", afirma ele.
O negócio fica mais interessante quando as duas empresas operam as mesmas famílias de aviões, o que lhes permite unificar custos como treinamento, base de manutenção e certificação.
O crivo do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) seria outro obstáculo. Segundo Gesner Oliveira, sócio da GO Associados e ex-presidente do Cade, é difícil afirmar se a hipótese de unir Gol com Azul seria possível ou impossível.
"Toda fusão requer uma análise técnica específica para verificar o impacto sobre concentração de mercado, barreiras de entrada etc. É um roteiro de análise minucioso. Eu diria que seria uma operação de concentração que exigiria uma análise complexa", afirma.
Pelos dados da Anac de dezembro, a participação da Gol no mercado doméstico foi de 33,3%, enquanto a Azul ficou em 27,5%.
André Castellini, da Bain&Company, também ressalva que não se pode prever como seria o desfecho no Cade, mas avalia que, para um investidor, independentemente de quem fosse, seria interessante consolidar.
"O único problema que a Gol está tendo é que o endividamento é muito alto e está vencendo, mas a operação em si, o resultado operacional, o modelo de negócio, são muito bons", afirma.
Conforme os dados da companhia, sua receita operacional líquida atingiu recorde histórico de R$ 4,7 bilhões no terceiro trimestre de 2023. Em dezembro, a taxa de ocupação alcançou 82,7%, alta de 4,8% ante igual período do ano anterior.
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