Os planos da faxineira Eliana Pimentel dos Santos, de 45 anos, para a construção da casa em Guaratiba, na zona oeste do Rio, tiveram de ser adiados por conta da inflação. A ideia era começar a erguer as paredes da nova casa de três quartos agora em julho, mas o dinheiro guardado para os vergalhões que sustentariam as colunas não foi suficiente para a compra orçada com antecedência. Com isso, o trabalho no terreno da família só poderá ser retomado em agosto.
"Mês passado, o ferro estava R$ 14 a vara. Este mês, está R$ 22, aumentou muito. A vendedora falou que, se você quiser comprar um material que custa R$ 20, tem de guardar R$ 40, porque está aumentando de um dia para o outro", disse Eliana.
A alta de preços não está restrita aos vergalhões. O item referente a materiais e equipamentos de construção acumula uma alta recorde de 32,92% no período de 12 meses encerrado em junho, segundo o Índice Nacional de Custo da Construção - Disponibilidade Interna (INCC-DI), apurado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), o maior patamar desde o início do Plano Real. Já o INCC-DI completo, incluindo também preços de mão de obra e de serviços, registra uma alta de 17,34% no período - ainda assim, muito além da inflação oficial (8,35%).
Os itens que mais subiram de preço no período foram tubos e conexões de ferro e aço (alta de 91,66% em 12 meses até junho de 2021); vergalhões e arames de aço ao carbono (78,35%); condutores elétricos (76,19%); tubos e conexões de PVC (64,91%); eletroduto de PVC (52,06%); esquadrias de alumínio (35,21%); tijolo/telha cerâmica (33,82%); compensados (30,47%); cimento portland comum (27,62%) e produtos de fibrocimento (26,96%).
Essa disparada nos preços atrapalhou também os planos do empresário Raphael Paiva de Souza, de 30 anos, dono de uma loja de móveis. Ele precisou adiar a reforma que planejava fazer na casa onde mora com os pais, no Tatuapé, zona leste de São Paulo. A ideia original era reformar as salas de estar e de jantar e o lavabo, mas, com os preços subindo, o lavabo acabou ficando para depois. "Os materiais já estavam em um valor alto e a mão de obra também, então optamos por adiar a reforma do lavabo e pensamos em comprar as coisas aos poucos", disse.
Em junho, o aumento do custo da matéria-prima foi apontado, pela primeira vez, como o principal empecilho aos negócios pelas empresas de construção, segundo dados da Sondagem da Construção, também da FGV. No mês, 36,4% das empresas consultadas apontaram o encarecimento da matéria-prima como principal limitador à melhoria dos negócios, ultrapassando as menções a problemas como demanda insuficiente (35,3%), questões financeiras (16,9%) ou acesso a crédito bancário (13,1%).
"É uma questão que preocupa, porque dificulta até a formação de orçamentos. Porque as empresas formam um orçamento hoje, mas quando vão lançar o imóvel, quando vão vender, com os preços subindo muito, como você faz essa projeção? É uma questão que complica significativamente", diz Ana Maria Castelo, coordenadora de Projetos da Construção do Instituto Brasileiro de Economia da FGV (Ibre/FGV).
A alta de preços dos insumos chegou a prejudicar a retomada no índice de confiança da construção a partir do último trimestre do ano passado, quando desceu de um patamar de 95,2 pontos, em outubro, para 85,0 pontos em abril deste ano. Em junho, houve melhora, para 92,4 pontos, mas ainda com as expectativas mais positivas que as avaliações sobre a situação atual. "A gente associou muito essa perda de ímpeto da confiança à questão dos aumentos dos preços", relatou Ana Maria.
Empresários do setor disseram que o descontrole de preços pode frear o ritmo de recuperação da atividade de construção. "Está afetando e terá muito impacto para o futuro. No primeiro trimestre, a gente viu redução de lançamentos imobiliários", disse José Carlos Rodrigues Martins, presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC). A CBIC revisou no início do ano as expectativas de crescimento do setor em 2021, de 4,0% para 2,5%.
O custo nacional da construção por metro quadrado chegou a R$ 1.421,87 em junho, sendo R$ 829,19 relativos aos materiais e R$ 592,68 referentes à mão de obra, segundo os dados do Índice Nacional da Construção Civil (INCC/Sinapi), apurado pelo IBGE. A inflação do setor apenas no mês de junho foi de 2,46%, a taxa mais elevada da série histórica com desoneração da folha de pagamentos, iniciada em 2013. O custo de mão de obra e insumos na construção ficou 20,92% mais alto nos últimos 12 meses até junho, também a maior alta de preços da série.
"É uma conjuntura de situações. Demanda aquecida, obra de formiguinha, nas empresas de maior porte as obras continuaram na pandemia, a demanda continuou. Tivemos notícia que é o melhor período da construção civil", disse Augusto Oliveira, gerente do INCC/Sinapi.
Segundo ele, os vendedores de materiais de construção que são informantes na pesquisa têm relatado escassez de produtos, que chegam no mês seguinte com preços mais elevados, por reajustes efetuados ainda na indústria. "O informante fala: Olha, está difícil de entregar e quando entrega vem com alta", relatou. / COLABOROU HELOÍSA SCOGNAMIGLIO
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