O Brasil encerrou 2020 com a pior média de desemprego da história. Ainda viu outros indicadores baterem recordes negativos, como o desalento, a população ocupada e os subutilizados. Os dados do emprego no país superam até os anos isolados da mais longa recessão econômica, que durou entre 2014-16.
Segundo dados do IBGE, o desemprego médio atingiu 13,4 milhões de pessoas em 2020, ano do início da pandemia da Covid-19. A taxa de desocupação ficou em 13,5%. O percentual é o maior em toda a série histórica da Pnad Contínua (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios), iniciada em 2012.
A consultoria iDados, por meio de números de pesquisas atual e antigas do IBGE, construiu um levantamento que mostra que a taxa é a maior desde 1993.
O número é até superior ao do pior momento do trabalho no Brasil até então, em 2017, que pegou reflexos da recessão dos anos anteriores. Naquele ano, a taxa de desocupação havia sido recorde, de 12,7%, com 13,1 milhões de brasileiros em média desempregados.
A recessão de 2014-2016 durou 33 meses, de abril de 2014 a dezembro de 2016, segundo o Codace (Comitê de Datação de Ciclos Econômicos), órgão ligado ao FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas) e formado por oito economistas de diversas instituições.
Foi a mais longa entre as nove recessões datadas a partir de 1980 pelo comitê, superando as de 1989-1992 (30 meses) e 1981-1983 (28 meses). A décima começou no primeiro trimestre de 2020 e ainda não teve a data final fixada.
A queda acumulada do PIB no período 2014-2016 foi de 8%, a segunda maior desde 1980, abaixo dos 8,5% de queda do PIB na recessão de 1981-1983, segundo dados das Contas Nacionais do IBGE.
Os dados divulgados pelo IBGE contestam até o ministro Paulo Guedes, que no fim de janeiro comemorou os dados do Caged dizendo que o país conseguiu, mesmo com a retração na atividade, registrar saldo positivo de empregos em 2020.
O ministro ressaltara que as recessões de 2015 e 2016 geraram demissões de 1,5 milhão e 1,3 milhão de pessoas, respectivamente. "De um lado, o auxílio emergencial fez a maior transferência direta de renda. E, de outro, o programa de empregos preservou 11 milhões de empregos."
Dados do Caged mostraram que a geração líquida (contratações menos demissões) de 142.690 empregos com carteira assinada no ano passado não foi suficiente para repor aqueles perdidos durante a pandemia. O ano terminou positivo por influência das 342 mil vagas criadas nos dois primeiros meses do ano.
Já a Pnad, que calcula também dados de trabalhos informais, sem carteira e por conta própria, aponta uma deterioração que atingiu o emprego de mais de 51 milhões de brasileiros durante a pandemia.
No total, além dos 13,4 milhões de desempregados (o IBGE só considera assim quem busca ocupação), o país teve mais 5,5 milhões de desalentados (que desistiram de procurar emprego por não encontrar) e 31,2 milhões de subutilizados (pessoas trabalhando menos do que gostariam).
Todos os dados são recordes negativos e, somados, representam um aumento de mais de 5 milhões na comparação com 2019. Isso ainda contando que os dados são médias anuais, ou seja, englobam janeiro e fevereiro do ano passado, ainda sem pandemia, e metade de março, que recebeu a crise sanitária em meio à segunda metade do mês.
Autor do levantamento da consultoria IDados, o economista Bruno Ottoni disse que o momento atual é atípico. Na comparação com a crise anterior, ele ressalta que na de 2014-16 a queda da atividade econômica afetou o mercado de trabalho, sem tanta intensidade quanto em 2020 pela pandemia, com as pessoas deixando de procurar emprego.
"Na crise atual, nós já entramos em 2019 com o desemprego em 11,9%, o que é elevado, e ficou pior em 2020. Em cima desse patamar elevado, as proporções foram maiores do que olhando os anos isoladamente da recessão."
Ele vislumbra um cenário ruim para este início de 2021, com muita gente tentando retornar ao mercado, medidas de estímulo fiscal retiradas e o setor privado em situação insuficiente para fazer a economia crescer sozinha.
"É difícil manter pessoas em casa quando precisam sair para rua, o governo não vai conseguir controlar todo o mundo. A pessoa precisa sair para ganhar dinheiro e não passar fome. Se não conseguir trabalhar em comércio fechado, vai de motorista de Uber, motoqueiro de aplicativo, ambulante, alguma coisa para conseguir alguma renda", disse.
O professor Écio Costa, da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco), lembrou que a crise está em curso, com a pandemia mais forte e a vacinação em ritmo lento, o que vai continuar repercutindo no setor de serviços.
"Há uma trajetória de redução, mas talvez aconteça um repique, com os lockdowns ficando mais fortes", afirmou.
A pesquisadora Maria Andreia Lameiras, do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), disse que as duas crises (de 2014-16 e a atual) têm diferenças estruturais.
Em primeiro lugar, o atual momento já vinha de uma situação econômica ruim, pois o país nem sequer havia se recuperado da recessão anterior. A retomada começava quando chegou a pandemia. Além disso, as medidas de distanciamento social dizimaram o setor de serviços, um dos principais empregadores.
As crises anteriores foram econômicas, enquanto esta também tem a derrocada sanitária como agravante.
"O turismo foi impactado em 2015/16 porque o poder de compra diminuiu, e as pessoas viajaram menos. Agora, as pessoas pararam de viajar completamente, tinha restrição de ir e vir, todos com medo do contágio."
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