Idiana Tomazelli
BRASÍLIA - A área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) recomendou a emissão de um alerta ao presidente Jair Bolsonaro (PL) devido à sanção irregular da lei que prorrogou a desoneração da folha de pagamento, um benefício tributário concedido a empresas de 17 setores.
A lei foi publicada na noite de 31 de dezembro de 2021 sem que o governo tenha adotado as devidas medidas de compensação pela perda de receitas, como manda a LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal) e a própria Constituição.
"Ficou evidente a inobservância, por parte do Poder Executivo, de exigências constitucionais e legais para criação ou prorrogação de renúncias tributárias durante o exercício de 2021", diz parecer da área técnica do TCU, obtido pela reportagem.
Outras 12 normas que tratam de benefícios tributários, incluindo leis e portarias, também foram implementadas sem o devido cumprimento das exigências da LRF, da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias) ou da Constituição, segundo o diagnóstico dos auditores.
"Há que se considerar a recorrência dos achados ora relatados em múltiplas ações de controle externo, bem como em outros Pareceres Prévios sobre as Contas do Presidente da República, no caso referentes a 2016, 2017, 2018 e 2019", diz o documento. "Nesse sentido, faz-se necessário o registro da repetição das irregularidades e, por conseguinte, a emissão de novo alerta."
A decisão final cabe ao plenário do TCU, que julga nesta quarta-feira (29) as contas da Presidência da República de 2021. O relator é o ministro Aroldo Cedraz. A tendência é que os alertas gerem uma aprovação das contas com ressalvas.
A desoneração da folha de pagamento teria fim em 2021, mas a medida foi prorrogada até 2023 após aprovação de um projeto nesse sentido pelo Congresso Nacional.
Bolsonaro sancionou o texto no apagar das luzes de 2021, ignorando os alertas do Ministério da Economia para a necessidade de compensar a perda de arrecadação, uma vez que o impacto da medida não constava no Orçamento aprovado para 2022.
Segundo cálculos do governo, a extensão da política gera uma renúncia de R$ 8,64 bilhões em 2022.
A recomendação da pasta comandada por Paulo Guedes era manter a sobretaxa do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) sobre operações de crédito e a CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) mais elevada sobre bancos. Sem isso, a posição técnica era a de que a desoneração deveria ser vetada.
O presidente, porém, não quis deixar a digital na manutenção das sobretaxas.
Em 1º de janeiro, a Secretaria-Geral da Presidência da República afirmou que a compensação não seria necessária porque "se trata de prorrogação de benefício fiscal já existente".
Em 2010, porém, o próprio TCU determinou ao então Ministério da Fazenda –hoje Economia– que "observe, quando da prorrogação de renúncias de receitas, as condições estabelecidas no art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal". Na corte de contas, essa posição é considerada pacificada, contrariando a tese do governo.
No parecer técnico que subsidia o relator das contas, os auditores mostram que a Secretaria-Geral da Presidência da República reiterou o entendimento de que "a simples prorrogação não atrai a incidência das normas de responsabilidade fiscal estatuídas pela LRF ou pela LDO".
O órgão do governo alegou ainda ter respaldo em decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que distingue a instituição de um benefício pela primeira vez do ato de sua prorrogação.
"Importante destacar que, no âmbito dos seus trabalhos de fiscalização, o TCU tem se posicionado no sentido de que as condicionantes constitucionais e legais (...) para concessão dos benefícios tributários também devem ser aplicadas no caso de prorrogações dessas renúncias", rebateu a área técnica do TCU.
Os auditores citam ainda que o próprio artigo 14 da LRF, que trata das medidas tributárias, traz o termo "ampliação" em relação a incentivos ou benefícios dessa natureza ao elencar a necessidade de compensação. Na interpretação do TCU, a ampliação seria tanto em termos quantitativos (número de beneficiados, valores) quanto temporal (ou seja, prorrogação da renúncia no tempo).
"Ante todo o exposto e considerando a jurisprudência consolidada do TCU sobre a aplicação da legislação referente ao assunto, conclui-se que as considerações da Secretaria-Geral da Presidência da República relativamente à prorrogação do benefício de desoneração da folha de salários, prevista na Lei 14.288/2021, não foram suficientes para afastar a constatação de descumprimento dos preceitos legais requeridos para concessão da renúncia fiscal em questão", disse a área técnica.
Os setores alcançados pela desoneração são os de calçados, call center, comunicação, confecção e vestuário, construção civil, empresas de construção e obras de infraestrutura, couro, fabricação de veículos e carrocerias, máquinas e equipamentos, proteína animal, têxtil, tecnologia da informação, tecnologia de comunicação, projeto de circuitos integrados, transporte metroferroviário de passageiros, transporte rodoviário coletivo e transporte rodoviário de cargas.
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