O governo conseguiu aproveitar o embalo do Congresso no enfrentamento à pandemia da Covid-19 para aprovar o novo marco legal do saneamento. Mas, desde então, a fila de microrreformas está travada no Senado.
Apostas para a retomada econômica desde o início da pandemia, o novo marco legal do mercado de gás e novas regras para recuperação judicial foram aprovadas pelos deputados e estão à espera dos senadores. Também não há previsão para votar textos que modernizam regras dos setores ferroviário e elétrico, que começaram pelo Senado.
Todos esses projetos estavam na lista de prioridades enviada ao Congresso pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, ainda em março. Da relação apresentada, somente o marco do saneamento - que abre espaço para a iniciativa privada atuar com mais força na exploração de serviços de abastecimento de água, coleta e tratamento de esgoto, limpeza urbana e reciclagem de lixo - teve o aval dos parlamentares até agora.
Na tentativa de reeleição ao cargo em 2021, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), segura a votação de qualquer texto que não tenha consenso entre os senadores, mesmo que os projetos já tenham tido o aval de deputados.
Ao contrário do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que tem uma interlocução com investidores e defende propostas que destravem o caminho para uma inserção maior da iniciativa privada, Alcolumbre chegou a pautar projetos considerados intervencionistas, como o que limita os juros cobrados por bancos no cartão de crédito e cheque especial. A Presidência do Senado foi procurada, mas não se manifestou.
Como as comissões não funcionaram durante a pandemia, o Senado baixou a regra de que é preciso ter acordo para um projeto sem relação com a Covid-19 ir a plenário. Isso não impediu, porém, que o projeto de teto dos juros fosse aprovado, mesmo sendo contrário à agenda liberal do ministro da Economia.
A avaliação também é de que falta um corpo a corpo mais intenso de técnicos dos ministérios para convencer os senadores da importância dos projetos, além de uma articulação política mais agressiva - de atacado, e não de varejo - por parte do governo.
"Sem acordo não vota, principalmente no Senado", disse o presidente da Comissão de Infraestrutura do Senado, Marcos Rogério (DEM-RO), recém-indicado para a vice-liderança do governo no Congresso. "Cada parlamentar tem suas ideias do que é prioridade. O problema é que temos muitos temas para votar", afirmou ele, que nega problemas na articulação.
Entre os projetos à espera de votação estão a nova Lei do Gás, aprovada em setembro pela Câmara, e os novos marcos do setor elétrico e de ferrovias, em discussão no Senado desde 2016 e 2018, respectivamente. Para Rogério, é difícil que os três sejam votados ainda neste ano.
Aposta do governo para destravar investimentos de até R$ 43 bilhões e reindustrializar o País, o novo marco do gás está alinhado ao programa do governo mais conhecido como "choque da energia barata", proposta de abertura do setor.
Já o projeto que atualiza a Lei de Falências recebeu aval da Câmara em agosto e é considerado crucial pelo governo para ajudar na recuperação de empresas impactadas pela pandemia. As discussões sobre o assunto entre os senadores se desenrolam desde 2018, mas não há previsão de a proposta ser votada, apesar de estar no foco da articulação, segundo a Secretaria de Governo, e de Alcolumbre já ter falado que era uma prioridade do Senado há um mês. "Esse projeto tem demorado para tramitar. A expectativa era que tivesse sido aprovado há mais tempo. Por outro lado, parte do setor entende que é melhor fazer uma boa discussão do texto", disse o advogado Daniel Báril.
O projeto que facilita a navegação comercial na costa brasileira, conhecido como "BR do Mar", foi enviado pelo governo à Câmara dos Deputados em agosto. A medida tem como objetivo aumentar o volume de cargas da chamada navegação de cabotagem, entre portos ou pontos da costa brasileira.
O governo espera ampliar em 40% a capacidade da frota marítima dedicada à cabotagem nos próximos três anos, excluindo embarcações dedicadas ao transporte de petróleo e derivados. O texto foi apresentado em regime de urgência, para ser votado em 45 dias. Mas o prazo já estourou no fim de setembro. O governo espera que os deputados avancem no projeto ainda neste mês.
"Aprovar leis não é como uma linha de produção de fábrica. Principalmente quando precisamos aprovar uma pauta de enfrentamento à pandemia", informou o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), em nota, ressaltando que nunca se comprometeu em aprovar toda a pauta do governo.
A Câmara também ressaltou que a prioridade do Congresso, no período de pandemia, foi aprovar medidas como o orçamento de guerra, que tirou as amarras fiscais para ampliar os gastos no combate à covid-19, e a criação do auxílio emergencial pago a desempregados, informais e beneficiários do Bolsa Família.
Pasta responsável pela articulação política do governo no Congresso, a Secretaria de Governo afirmou que o novo marco legal do gás e o projeto que atualiza as regras de falência e recuperação judicial têm "prioridade especial" para terem as votações concluídas no Senado até o início de novembro.
Em nota enviada à reportagem, a Secretaria de Governo, comandada pelo ministro Luiz Eduardo Ramos, afirmou que 2020 foi "atípico" tanto por ser ano eleitoral quanto pela chegada da pandemia do coronavírus.
"Entre os meses de março e agosto, o Congresso ficou focado na aprovação de matérias relacionadas a amenizar as consequências da pandemia tanto no campo político quanto no social e na saúde, principalmente. Além disso, assim que as sessões foram retomadas (mesmo que de forma virtual), as medidas provisórias tiveram maior atenção para não caducarem (ou seja, perderem a validade)", afirmou a pasta.
Segundo o ministério, há expectativa de avanço no relatório e na apreciação do projeto para a cabotagem ("BR do Mar") na semana de 19 a 23 de outubro. Além disso, o governo espera que, entre esses dias, também seja votado o requerimento de urgência do projeto que institui um novo mercado de câmbio, enviado pelo Executivo no ano passado.
O ministério citou que ainda têm "atenção especial da articulação política" o marco legal das ferrovias e o projeto de autonomia do Banco Central. "Ressaltamos também que há uma rotina semanal com líderes e os presidentes das Casas sobre as pautas prioritárias para o Executivo. Esse trabalho foi se aperfeiçoando juntamente com a formação da base de apoio", afirmou.
O governo, que se aliou a partidos do Centrão neste ano, destacou também a aprovação das PECs do orçamento de guerra (que suspendeu regras fiscais para ampliar os gastos no combate à pandemia), do Fundeb (principal financiador da educação básica), do novo marco do saneamento, do novo Código de Trânsito Brasileiro e da Lei de Segurança de Barragens. "Conseguimos formar uma base de apoio às propostas do Executivo", disse a nota.
O Ministério de Minas e Energia, grande interessado nos novos marcos do gás e do setor elétrico, afirmou que trabalha junto com outros ministérios para que o Congresso conclua as votações desses projetos "na forma mais tempestiva possível". As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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