Depois de dois pregões seguidos de alta firme, o dólar à vista recuou nesta sexta-feira (20), em dia marcado por cenário externo mais benigno e sinais da equipe econômica de comprometimento com a manutenção do teto de gastos, considerado a âncora do regime fiscal do país.
O alívio na taxa de câmbio veio, porém, em mais uma sessão cheia de solavancos. Na parte da manhã, o dólar chegou a correr até a máxima de R$ 5,4746, em meio ao mau humor nos mercados internacionais, sobretudo com medidas de regulação na China.
A maré começou a virar no começo da tarde, após declarações do presidente da distrital do Federal Reserve de Dallas, Robert Kaplan. Tido como 'hawkish", Kaplan disse que pode mudar de opinião quanto ao início da redução de estímulos monetários ('tapering') em outubro deste ano por conta das incertezas provocada pelo avanço da variante Delta.
Com as Bolsas de Nova York no azul e a virada do índice DXY - que mede o desempenho da moeda americana frente a seis divisas fortes - para o lado negativo, o dólar passou a operar em queda no mercado local, mas ainda ao redor do patamar de R$ 5,40.
Na última hora de pregão, a moeda americana acentuou as perdas e renovou novas mínimas, chegando a ser negociada abaixo de R$ 5,38, em meio a declarações do secretário especial do Tesouro e Orçamento do Ministério da Economia, Bruno Funchal, reiterando o compromisso do governo com a manutenção do teto de gastos.
Com mínima de R$ 5,3718, o dólar à vista fechou a semana em queda de 0,70%, a R$ 5,3848. Apesar do alívio hoje, a moeda americana encerra a semana em alta de 2,66% e acumula valorização de 3,36% em agosto.
Em seu discurso, Funchal reconheceu que, nas últimas semanas, o governo assistiu a um "dos piores momentos de turbulência" em razão das incertezas no front fiscal e reiterou o compromisso com o controle das contas públicas. "Um pilar fundamental para crescimento é reorganização de contas", afirmou Funchal. "Quando se coloca em dúvida esse regra (teto), olha o que acontece com a percepção de risco".
Boa parte da arrancada do dólar nas sessões anteriores foi atribuída justamente aos temores de abandono, mesmo que informal, do teto dos gatos, em meio aos debates sobre a PEC dos Precatórios, a reforma do Imposto de Renda e reajuste do Bolsa Família (rebatizado de Auxílio Brasil) - este um desejo do presidente Jair Bolsonaro, que busca recuperar sua popularidade
"O mercado reagiu bem ao ver alguém lá dentro do governo demonstrar responsabilidade. O mercado quer ver gente disposta a fazer o que é necessário, e não em trabalhar para a reeleição do presidente. Foi esse recado que ele passou", afirma Jefferson Laatus, estrategista-chefe do Grupo Laatus.
Embora ainda haja muitas dúvidas sobre a acomodação do pagamento dos precatórios, da ordem de R$ 90 bilhões, no Orçamento de 2022, as declarações de Funchal servem de alento para o mercado e contribuem para o alívio da percepção de risco.
Para o economista-chefe da Ativa Investimentos, Étore Sanchez, é inegável que a alta recente do dólar, apesar do componente externo, veio justamente do fato de a credibilidade da política fiscal ter ficado em xeque. "As propostas enviadas pelo governo e a clara tentativa de contornar o teto de gastos são também grandes responsáveis pela desvalorização do real", afirma Sanchez, ressaltando que o debate em torno do Orçamento de 2022 ampliou muito o risco fiscal.
Na avaliação de Sanchez, dada a dificuldade de cumprir o teto no ano que vem por conta do pagamento de precatórios, tanto o legislativo quanto o governo parecem querer criar mecanismos para romper o teto de forma perene - o que classifica como "inadmissível". A PEC dos Precatórios, avalia Sanchez, representa uma "manobra" que pode explodir nos próximos anos e "comprometer a trajetória fiscal" do País. "Além disso, compromete a credibilidade de nosso país ao institucionalizar o calote", afirma.
Em vez de tentar contornar o teto, Sanches acredita que seria melhor renegociar os precatórios com mecanismos previstos na Constituição. "Se ainda assim o teto estourar, que sejam disparados os gatilhos previstos na lei. Ainda dá tempo de conter o que tem sido precificado como uma mudança no ideário do governo", afirma.
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