As tensões político-institucionais domésticas, com o novo embate entre o presidente da República, Jair Bolsonaro, e o Supremo Tribunal Federal, impediram que o real se beneficiasse mais amplamente da onda global de enfraquecimento global da moeda americana no pregão desta segunda-feira (23), dia marcado por forte apetite por ativos de risco lá fora.
A avaliação das mesas de operação é que a postura de Bolsonaro - que entrou, na sexta-feira, com pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes, do STF - turva o horizonte e aumenta o prêmio de risco exigido pelos investidores para carregar ativos locais.
Teme-se que o aumento do estresse no campo político prejudique a tramitação da PEC dos Precatórios, essencial para resolver imbróglio em torno do cumprimento do teto de gastos, e leve Bolsonaro a novas investidas populistas, em meio à convocação para manifestações no 7 de setembro.
O dólar à vista até abriu em queda, alinhado ao movimento externo de enfraquecimento da moeda americana, e desceu até a mínima R$ 5,3460 (-0,72%). Mas o apetite por real durou pouco e, logo em seguida, investidores optaram por realizar lucros e recompor posições defensivas - o que não apenas fez o dólar trocar de sinal como correr até a máxima de R$ 5,4022 (+0,32%).
Pela manhã, em entrevista a uma rádio do interior de São Paulo, Bolsonaro voltou a levantar suspeitas sobre a lisura das urnas eletrônicas. O presidente também desafiou governadores a zerar o ICMS sobre botijão de gás e disse que pode criar o chamado vale gás. Em resposta aos ataques de Bolsonaro ao STF e à legitimidade das eleições, governadores de 20 Estados e do Distrito Federal, aprovaram nesta segunda-feira no fim da manhã a criação de uma frente para a defesa da democracia.
Passado o momento de maior estresse, a moeda norte-americana operou ao redor da estabilidade ao longo da tarde, alternando entre pequenas altas e baixas, em meio a um ambiente de liquidez reduzida. O giro com o contrato de dólar futuro para setembro foi reduzido, de apenas US$ 11 bilhões, o que mostra falta de apetite para os negócios.
No fim do dia, o dólar à vista era negociado a R$ 5,3820 (-0,05%). Em agosto, a moeda americana acumula valorização de 3,30%.
Para o especialista em câmbio da Valor Investimentos, Rafael Ramos, o embate entre os Poderes, que se acentuou com o pedido de impeachment de Moraes, provoca um desconforto cada vez maior dos investidores com o cenário político. "Isso acaba poluindo os mercados e traz aversão ao risco. Esta tende a ser uma semana de forte volatilidade no câmbio", afirma.
Alvo do pedido de impeachment por parte de Bolsonaro, o ministro Alexandre de Moraes autorizou, nesta segunda-feira à tarde, que a Polícia Federal colha novos depoimentos no bojo da investigação de suposta interferência do presidente da República na PF.
Já o ministro da Economia, Paulo Guedes, tentou jogar panos quentes e disse que espera uma moderação dos "excessos" de ambas as partes, para garantir a recuperação econômica. "Muito tem se falado do déficit, sobre a possibilidade de descontrole fiscal, mas os fundamentos continuam indicando que estamos fazendo trabalho certo", disse.
"A dificuldade de encontrar um texto de consenso para reforma do IR e as implicações da PEC dos Precatórios, que continua sendo lida como uma mudança de regime fiscal, foram mais preponderantes para a moeda (além dos juros e bolsa)", afirma, em relatório, a economista-chefe da Armor Capital, Andrea Damico, ressaltando que, em um contexto de queda de popularidade de Bolsonaro, crescem as pressões por "benesses eleitorais" como o aumento do Bolsa Família, o vale gás, a isenção de tributos para o diesel e o Refis.
Lá fora, o DXY - que mede o desempenho da moeda americana frente a seis divisas fortes - renovou mínimas na etapa vespertina, negociado abaixo da linha dos 93 mil pontos. O dólar também perdia força em relação a moedas emergentes e de países exportadores de commodities, à exceção do peso argentino.
Entre os indicadores externos, destaque para o resultado aquém do esperado do índice de gerente de Compras (PMI, na sigla em inglês) nos EUA em agosto, apontando perda de fôlego da indústria e do setor de serviços. Investidores aguardam a fala do presidente do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano), Jerome Powell, no Simpósio de Jackson Hole (EUA), na sexta-feira, 27, para calibrar as apostas em relação ao início da redução dos estímulos monetários.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta