A combinação de fortalecimento global da moeda norte-americana - em dia marcado por forte correção dos ativos de risco no exterior e alta das taxas dos Treasuries - com temores de medidas populistas na seara fiscal doméstica castigaram o real na sessão desta terça-feira (28).
Em alta desde o início dos negócios, o dólar ganhou ainda mais força ao longo da tarde, em sintonia com o aprofundamento das perdas do Ibovespa. No pior momento, a moeda norte-americana chegou a tocar casa de R$ 5,45, ao registrar máxima a R$ 5,4508 (+1,34%).
A febre compradora arrefeceu na reta final dos negócios, mas, mesmo assim, o dólar ainda encerrou a sessão em alta firme, de 0,85%, cotado a R$ 5,4243 - maior valor de fechamento desde 4 de maio deste ano (R$ 5,4307). Foi o quinto pregão seguido de fortalecimento do dólar, que já acumula valorização de 1,51% na semana e de 4,88% em setembro.
Nas mesas de operação, já se especula em torno da possibilidade de que o Banco Central possa agir de forma mais incisiva para conter a depreciação do real. Está programado para a quarta-feira o segundo leilão extra de swap cambial, da ordem de US$ 700 milhões, motivado, segundo o BC, pelo overhedge dos bancos.
"Eu acredito que o BC pode aumentar essa ração de swap. O mercado não ficou satisfeito com a explicação de que a oferta era para o overhedge. A grande preocupação é o processo inflacionário, que piora muito com a alta do dólar", afirma o diretor da corretora Correparti, Ricardo Gomes da Silva. "Temos os problemas fiscais domésticos e essa saída de investidores externos dos mercados de risco, com a T-note subindo na espera de redução de estímulos monetários nos Estados Unidos. Se o BC não se posicionar de forma mais firme, o dólar pode superar R$ 5,50 ainda nesta semana."
O mercado cambial também ficou de olho na ata do encontro do Comitê de Política Monetária (Copom) na semana passada, quando a Selic foi elevada em 1 ponto porcentual, para 6,25%. No dia do anúncio, o BC alertou no comunicado para os problemas fiscais, que criam uma "assimetria no balanço de riscos" para a inflação. No que parece uma referência velada à eventual extensão do auxílio emergencial, no documento divulgado nesta terça, o BC afirma que "novos prolongamento das políticas fiscais de resposta à pandemia que pressionem a demanda agregada e piorem a trajetória fiscal podem elevar os prêmios de risco do país".
O BC reafirmou a intenção de promover outra elevação da Selic em 1 ponto porcentual, mas revelou que houve debate sobre "custos e benefícios de acelerar o ritmo" - o que abriu espaço para a leitura de que a ata foi mais dura que o comunicado e há, sim, chance de que o Copom possa acelerar o passo. Há quem veja a possibilidade de a Selic ultrapassar 9% e até, quem sabe, atingir novamente os dois dígitos.
O sócio e economista-chefe da JF Trust, Eduardo Velho, afirma que não se vislumbra reversão do movimento de alta do dólar, enquanto o BC seguir a atual estratégia gradualista de aperto monetário. Ele destaca que o contágio externo, a deterioração inflacionária e a situação fiscal "neutralizam os efeitos da colocação de swaps cambais".
Os temores de que o governo Jair Bolsonaro embarque em uma onda de medidas "populistas" cresceu em meio aos debates em torno da prorrogação do auxílio emergencial por aprovação de crédito suplementar no Congresso (fora do teto de gastos). Seria um atalho para aumentar os benefícios sociais sem depender exclusivamente do Auxílio Brasil, cuja fonte de financiamento está atrelada à aprovação da PEC dos Precatórios e da reforma do Imposto de Renda, que claudica no Senado.
As investidas do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), contra a alta dos preços dos combustíveis, justamente no dia em que a Petrobras reajustou o valor do óleo diesel, também fazem soar os alarmes do "populismo". Em evento no período da tarde, Lira, ao lado de Bolsonaro, jogou a responsabilidade pelo preço dos combustíveis no colo dos governadores, alinhando-se ao discurso do presidente. "Sabe o que é que faz o combustível ficar caro? São os impostos estaduais", disse Lira, acrescentando que o Congresso vai debater um projeto para fixar valor do ICMS. Bolsonaro, que na segunda havia dito que o "remédio para combater a inflação não pode ser só aumentar a taxa de juros", afirmou que ficou feliz em ouvir as palavras de Lira e que a alta dos combustíveis "é o problema do dia".
À crescente deterioração do quadro interno se soma um ambiente externo cada vez mais desafiador. A inflação acelera no mundo em meio a uma crise energética e pipocam sinais de perda de fôlego da atividade justamente no momento em que os Banco Centrais dos países desenvolvidos dão sinais de tirar o pé do acelerador.
Declarações de dirigentes do Federal Reserve na segunda-feira e nesta terça mostram que o início do "tapering" deve vir mesmo em novembro. Crescem as apostas em alta dos juros nos EUA já no segundo semestre de 2022, o que dá fôlego às taxas dos Treasuries e ao dólar. O yield da T-note de 10 anos superou nesta terça o teto psicológico de 1,5%. Há também a novela em torno da elevação do teto de gastos americano, em meio a alertas de Janet Yellen, ex-presidente do Federal Reserve e atual secretária do Tesouro dos EUA, dos efeitos de paralisação parcial do governo (shutdown) e de um eventual default da dívida
"A ala 'hawkish' ganha terreno no Federal Reserve, e a inflação pode permanecer elevada por mais tempo do que se imaginava, a tal ponto que se vislumbre um aumento mínimo de duas altas de 0,25 p.p. do juro no segundo semestre de 2022", afirma Velho, da JF Trust.
Não bastasse o enxugamento da liquidez global com o tapering, os ativos emergentes, como o real, sofrem com o risco de desaceleração da China, às voltas com os desdobramentos do caso Evergrande sobre o setor imobiliário e cortes de energia, por causa da redução de estoques de carvão. Um pouso forçado da economia chinesa é má notícia para os preços das commodities e, por tabela, para a moeda brasileira.
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