A proposta do ministro da economia, Paulo Guedes, de lançar um novo programa de proteção social no país para substituir o Bolsa Família é vista com descrença por economistas. A iniciativa, antecipada pela Folha de S. Paulo na segunda-feira (8) e confirmada por Guedes nesta terça (9), seria chamada de Renda Brasil e incluiria um número maior de beneficiários do que o programa atual, unificando programas sociais existentes.
Para os especialistas, Guedes tenta tirar o foco de uma discussão que avança na sociedade, ganhando simpatia entre parlamentares, de criação gradual de uma renda básica universal. O benefício sucederia o auxílio emergencial de R$ 600, criado em resposta à crise do coronavírus.
Eles avaliam ainda que um modelo de "imposto de renda negativo", como tem sido aventado entre as possibilidades em estudo pela equipe econômica, seria de difícil execução e poderia levar a uma desbancarização da economia brasileira. Os economistas defendem, com modelos diversos, que a expansão do sistema de proteção social nacional tenha como foco principal as crianças, que são as maiores vítimas da extrema pobreza no país.
Para Marcelo Medeiros, especialista em desigualdade e pesquisador visitante em Princeton (EUA), a proposta de Guedes é uma "cortina de fumaça" para desviar o foco da pandemia e dos trágicos efeitos da ação tardia do governo sobre a atividade econômica.
"Por enquanto não há proposta alguma de verdade na mesa", diz Medeiros. "Guedes está fazendo com a proteção social o que fez com a reforma tributária: fala que vai fazer, mas não apresenta nada de concreto."
O economista e sociólogo destaca ainda que a proposta de Guedes sinaliza para um aumento de gastos, o que vai de encontro direto ao que o governo Jair Bolsonaro e o próprio ministro têm defendido até aqui. "Ao mudar de direção, ele vai perder o pouco que ainda tem de base de apoio na economia", avalia.
"Me parece apenas um blefe de Guedes para desviar a atenção da pandemia, pois concretamente ele não está apresentando a lei, a estrutura de gastos e a base orçamentária", diz Medeiros. Segundo ele, a hipótese de desmontar programas sociais num momento de crise também não deve conseguir respaldo no Congresso.
Já Daniel Duque, do Ibre-FGV, vê com bons olhos a proposta do governo de unificar benefícios sociais existentes. "Acredito ser um primeiro passo importante para a expansão da política social no Brasil", diz Duque. Ele sugere que essa unificação poderia incluir, por exemplo, o Bolsa Família, o Benefício de Prestação Continuada (BPC) pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda, e o seguro-defeso pago a pescadores artesanais.
Mas Duque é crítico à hipótese de um "imposto de renda negativo", no qual a pessoa declararia sua renda num aplicativo e receberia uma complementação, até valor determinado. Segundo ele, o modelo é pouco adequado a economias com elevado grau de informalidade, como a brasileira.
"Como a pessoa ganha mais quanto menor for sua renda, há um estímulo à subnotificação e à desbancarização da economia informal, com a maior utilização de dinheiro em espécie", avalia.
Conforme o economista, o elevado volume de fraudes no auxílio emergencial, cujo pagamento é baseado na autodeclaração de renda pelos beneficiários, é um exemplo da dificuldade que haveria para fiscalizar um programa nesse modelo. Duque avalia ainda que a preocupação do governo em criar gatilhos para incentivar que os beneficiários do novo programa procurem emprego é desproporcional à relevância desse problema segundo a evidência empírica.
A proposta de Guedes é considerada "sem pé, nem cabeça" pela economista Monica de Bolle, da Johns Hopkins University (EUA). "Há uma tentativa ideológica de desmontar o Bolsa Família, por ser percebido como algo que surgiu nos governos petistas, o que não é verdade, pois o programa tem origem lá atrás, no governo FHC", diz de Bolle.
Ademais, avalia a economista, trata-se de uma tentativa do governo de mudar o foco da discussão sobre a prorrogação do auxílio emergencial e a criação de uma renda mínima que avança no Congresso. Para de Bolle, um programa de renda mínima deve ser complementar ao sistema de proteção social existente e não substituí-lo. Esse programa teria foco em redução da desigualdade, sendo complementar ao Bolsa Família, que tem como foco a mitigação da pobreza.
A pesquisadora defende modelo desenhando pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), de criação de um benefício infantil universal. O programa teria como foco inicial todas as crianças entre zero e 6 anos, independentemente da renda ou forma de ocupação dos pais, sendo posteriormente ampliado para as faixas etárias seguintes.
De Bolle estima o custo do programa em cerca de 1,5 ponto percentual do PIB e avalia que ele poderia ser financiado através do fim das isenções do Imposto de Renda, taxação de dividendos e pelo aumento da arrecadação gerado pelo crescimento do consumo decorrente da transferência adicional de renda.
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