Apesar da pressão do governo dos EUA para impedir o avanço da Huawei no futuro mercado de 5G, o embaixador do Brasil em Washington, Nestor Forster, disse nesta terça-feira (20) que as decisões sobre o leilão da nova tecnologia no país só serão tomadas no início do ano que vem.
Em entrevista a jornalistas, Forster evitou debater a principal meta dos EUA, de banir ou ao menos limitar a participação da empresa chinesa no leilão da frequência no Brasil, mas disse que o governo de Jair Bolsonaro resolverá a questão "com serenidade e base sólida", levando em conta não só termos econômicos, mas também "componentes de privacidade de dados, segurança jurídica e segurança nacional."
"É razoável que isso seja olhado com a seriedade que requer o assunto, e essa decisão eu entendo será tomada mais para frente, no início do ano que vem. Não se trata de banir essa ou aquela empresa, trata-se de procurar atender ao interesse nacional brasileiro. Isso que está em jogo", disse Forster.
O argumento dos americanos é que a Huawei repassa informações sigilosas para o governo chinês, o que ameaça a segurança de dados do Brasil e a cooperação com os EUA.
As declarações do embaixador foram dadas depois que o governo Donald Trump prometeu oferecer crédito, por meio de agências oficiais, para as gigantes de telecomunicações do Brasil adquirirem componentes de concorrentes da Huawei.
As operações de crédito para que Vivo, Claro, Tim, entre outras, comprem equipamentos de fornecedores como Ericsson e Nokia devem ser oferecidas pelo DFC (U.S. International Development Finance Corporation), instituição estatal criada pelo governo americano para dar suporte a objetivos geopolíticos estratégicos de Washington. Há ainda a possibilidade de apoio via Exim Bank (Banco de Exportação e Importação dos EUA).
Nesta terça, o representante comercial dos EUA, Robert Lighthizer, disse que os americanos já transmitiram ao governo brasileiro suas preocupações sobre movimentos da China para expandir sua influência no país. Segundo a agência Reuters, os comentários de Lighthizer foram feitos em evento organizado pela Câmara Americana de Comércio e ecoados pelo assessor econômico da Casa Branca, Larry Kudlow, que disse que Washington pediu ao Brasil que assegure "que vigiemos a China com cuidado" em relação ao 5G e a outras tecnologias.
Forster explicou que as transações de crédito oferecidas pelos EUA serão permitidas porque o governo brasileiro assinou em março a entrada no acordo chamado "América Cresce", que permite o acesso do país a uma carteira de financiamento de mais de US$ 60 bilhões em infraestrutura, que cobrem áreas como tecnologia e digital.
O dinheiro, afirma o embaixador, é uma possibilidade de crédito "com condições melhores que as do mercado para financiar essa área de tecnologia crítica."
Nos bastidores, porém, representantes do setor de telecomunicações do Brasil dizem que as empresas têm pouco interesse em comprar equipamentos com financiamento, porque a maior parte da rede atual, de 4G, é dotada de componentes Huawei -Ericsson e Nokia também já participam.
Para fazer a transição para o 5G, seria necessário trocar esse aparato, algo que custaria muito mais do que o próprio fundo americano tem disponível.
Uma comitiva de alto nível do governo Trump chegou ao Brasil esta semana para o anúncio de protocolos de facilitação de comércio --o objetivo principal, no entanto, é a investida para limitar a atuação da Huawei no país, objeto de conversas entre autoridades de ambos os países.
Como mostrou a Folha de S.Paulo em agosto do ano passado, o acordo comercial não incluiria livre-comércio e focaria em áreas como diminuição de burocracias e facilitação de negócios.
"O maior acordo de livre-comércio que o Brasil pode fazer não é com a União Europeia, com a China ou com os EUA, é consigo mesmo", disse o embaixador em Washington. "O Brasil precisa se atualizar, eliminar burocracias, ineficiências que estão aí consagradas no nosso sistema e que precisam ser superadas e modernizadas."
Forster afirmou ainda que, apesar de "não ter o glamour de medidas tarifárias", o acordo pode trazer grandes impactos para setores produtivos no Brasil.
De acordo com levantamento feito pela embaixada do Brasil nos EUA, as medidas firmadas nesta segunda-feira (19) podem elevar em até 7,8% as exportações brasileiras para o mercado americano, e em cerca de 1,1% as importações brasileiras com origem nos EUA.
Entre os setores brasileiros potencialmente beneficiados pela cooperação regulatória estão produtos metálicos, manufaturas têxteis e vestuário, partes de veículos e equipamentos eletrônicos, indústrias de extração de carvão e gás natural, lã e seda, e laticínios e carnes.
Ainda de acordo com o embaixador, as exportações anuais brasileiras poderiam ser incrementadas em cerca de US$ 3 bilhões, enquanto as americanas poderiam aumentar em US$ 0,8 bilhão.
O acordo de parceria comercial entre Brasil e EUA é visto como um primeiro passo para negociações mais amplas, que sofrem resistência por parte de parlamentares do Partido Democrata, de oposição a Trump.
Forster admite que uma vitória do democrata Joe Biden nas eleições de novembro traria "novos desafios" para o Brasil nessa seara e que um acordo de livre-comércio seria mais facilmente negociado se Trump fosse reeleito.
"Não é provável que, num primeiro ano, se possa avançar nisso [ampliação do acordo comercial com o Brasil] de forma mais substantiva num governo democrata. Teríamos que enfrentar questões e preocupações que eles têm, o que é absolutamente natural."
Uma das barreiras que democratas apontam para não apoiar acordos comerciais mais amplos com o Brasil é a questão ambiental -Bolsonaro é cirticado pelo desmonte que seu governo fez desse área- mas Forster diz que o Brasil não fugirá do debate.
"Nós não fugimos de discutir nenhuma questão, questão do meio ambiente podemos conversar. Até onde a gente puder concordar, concordaremos."
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