Um variado grupo de empresários aderiu a uma carta em tom duro em defesa da democracia brasileira e ao sistema eleitoral nesta terça-feira (26). O manifesto, que vem sendo gestado na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e circula desde a semana passada, ganhou assinaturas de peso no mundo empresarial e financeiro. Entre os nomes que assinaram o texto estão o de Roberto Setubal e Cândido Bracher (Itaú Unibanco), representantes da indústria como Walter Schalka (Suzano) e de empresas de bens de consumo como Pedro Passos e Guilherme Leal (Natura).
Assinaram a carta também Eduardo Vassimon (Votorantim), Horácio Lafer Piva (Klabin), Pedro Malan (ex-ministro da Fazenda do governo Fernando Henrique Cardoso), o economista José Roberto Mendonça de Barros e o cineasta João Moreira Salles.
Empresariado e juristas se articulam para unir forças em uma mobilização que terá como ápice um ato no dia 11 de agosto, nas arcadas do Largo de São Francisco, em defesa do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e da democracia brasileira.
O texto que ganhou adesão do empresariado não faz menção expressa ao presidente Jair Bolsonaro, mas afirma que o País está "passando por um momento de imenso perigo para a normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições". Ao citar "desvarios autoritários" que puseram em risco a democracia dos Estados Unidos, a carta diz: "Lá as tentativas de desestabilizar a democracia e a confiança do povo na lisura das eleições não tiveram êxito, aqui também não terão".
Os organizadores do manifesto esperam que a adesão de importantes atores econômicos estimule que outros medalhões do empresariado brasileiro a se juntar ao movimento. Um dos articuladores da carta foi o ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior.
A polêmica reunião entre o presidente Jair Bolsonaro e embaixadores de vários países, na qual o presidente da República colocou em dúvida o sistema eleitoral do Brasil, impulsionou o movimento de defesa do sistema eleitoral, apesar da dificuldade em se costurar um consenso entre empresários de diferentes inclinações políticas.
O manifesto é inspirado pela Carta aos Brasileiros de 1977, um texto de repúdio ao regime militar, redigida pelo jurista Goffredo Silva Telles, e lida também na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
A maior parte dos empresários está nos grupos dos "anti", seja contra a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) ou Jair Bolsonaro (PR). Desta forma, havia um medo generalizado entre determinados executivos - especialmente os que tendem a apoiar Bolsonaro - que, ao assinar uma carta de apoio à democracia, estariam em direto assinando um atestado de apoio a Lula. Segundo essa fonte, existe uma "multiplicidade de posicionamentos" entre os empresários, mais ou menos como ocorre na população brasileira em geral.
Outros dois grupos bem definidos seriam os que têm o voto cristalizado em Lula ou Bolsonaro e a turma que quer, a todo custo, evitar a polarização No entanto, a essa altura, o consenso de que uma terceira via venha a surgir é considerada bem improvável entre o setor produtivo.
A campanha de Lula tenta se manter afastada da organização dos eventos, para não contaminar a mobilização com o viés partidário Aliados do presidente afirmam reservadamente, no entanto, que a mobilização de empresariado e sociedade civil contra as investidas de Bolsonaro sobre o sistema eleitoral são benéficas para o petista.
O Grupo Prerrogativas, que concentra advogados criminalistas e tem realizado eventos de apoio a Lula, tem ajudado na construção das adesões à nova Carta aos Brasileiros. Entre advogados que já assinaram o manifesto estão Celso Antônio Bandeira de Mello, Alberto Toron e Pedro Serrano.
Dois atos estão programados para acontecer na manhã do dia 11, ambos na Faculdade de Direito da USP. O primeiro, com empresariado e entidades da sociedade civil, deve ocorrer no Salão Nobre da faculdade. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) está capitaneando o contato com entidades produtivas e empresariais que aceitam participar do evento. Organizações da sociedade civil, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), também irão participar. O texto de divulgação para este encontro ainda está em elaboração, pois depende de um ajuste entre entidades onde o posicionamento político é sensível
Já o segundo ato do dia será aberto, com a leitura da Carta aos Brasileiros - a qual os empresários aderiram como pessoa física - será feita pelo ex-ministro do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello.
Em agosto de 1977, em meio às comemorações do sesquicentenário de fundação dos cursos jurídicos no país, o professor Goffredo da Silva Telles Junior, mestre de todos nós, no território livre do Largo de São Francisco, leu a Carta aos Brasileiros, na qual denunciava a ilegitimidade do então governo militar e o estado de exceção em que vivíamos. Conclamava também o restabelecimento do estado de direito e a convocação de uma Assembleia Nacional Constituinte. A semente plantada rendeu frutos. O Brasil superou a ditadura militar. A Assembleia Nacional Constituinte resgatou a legitimidade de nossas instituições, restabelecendo o Estado Democrático de Direito com a prevalência do respeito aos direitos fundamentais. Temos os poderes da República, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, todos independentes, autônomos e com o compromisso de respeitar e zelar pela observância do pacto maior, a Constituição Federal. Sob o manto da Constituição Federal de 1988, prestes a completar seu 34º aniversário, passamos por eleições livres e periódicas, nas quais o debate político sobre os projetos para o país sempre foi democrático, cabendo a decisão final à soberania popular. A lição de Goffredo está estampada em nossa Constituição: " Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de seus representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição ".
Nossas eleições com o processo eletrônico de apuração têm servido de exemplo no mundo. Tivemos várias alternâncias de poder com respeito aos resultados das urnas e transição republicana de governo. As urnas eletrônicas revelaram-se seguras e confiáveis, assim como a Justiça Eleitoral. Nossa democracia cresceu e amadureceu, mas muito ainda há de ser feito Vivemos em um país de profundas desigualdades sociais, com carências em serviços públicos essenciais, como saúde, educação, habitação e segurança pública. Temos muito a caminhar no desenvolvimento das nossas potencialidades econômicas de forma sustentável. O Estado apresenta-se ineficiente diante dos seus inúmeros desafios. Pleitos por maior respeito e igualdade de condições em matéria de raça, gênero e orientação sexual ainda estão longe de ser atendidos com a devida plenitude. Nos próximos dias, em meio a estes desafios, teremos o início da campanha eleitoral para a renovação dos mandatos dos legislativos e executivos estaduais e federais. Neste momento, deveríamos ter o ápice da democracia com a disputa entre os vários projetos políticos visando convencer o eleitorado da melhor proposta para os rumos do país nos próximos anos. Ao invés de uma festa cívica, estamos passando por momento de imenso perigo para a normalidade democrática, risco às instituições da República e insinuações de desacato ao resultado das eleições. Ataques infundados e desacompanhados de provas questionam a lisura do processo eleitoral e o Estado Democrático de Direito tão duramente conquistado pela sociedade brasileira. São intoleráveis as ameaças aos demais poderes e setores da sociedade civil e a incitação à violência e à ruptura da ordem constitucional. Assistimos recentemente a desvarios autoritários que puseram em risco a secular democracia norte-americana. Lá as tentativas de desestabilizar a democracia e a confiança do povo na lisura das eleições não tiveram êxito, aqui também não terão. Nossa consciência cívica é muito maior do que imaginam os adversários da democracia. Sabemos deixar ao lado divergências menores em prol de algo muito maior, a defesa da ordem democrática.
Imbuídos do espírito cívico que lastreou a Carta aos Brasileiros de 1977 e reunidos no mesmo território livre do Largo de São Francisco, independentemente da preferência eleitoral ou partidária de cada um, clamamos às brasileiras e aos brasileiros a ficarem alertas na defesa da democracia e do respeito ao resultado das eleições. No Brasil atual não há mais espaço para retrocessos autoritários. Ditadura e tortura pertencem ao passado. A solução dos imensos desafios da sociedade brasileira passa necessariamente pelo respeito ao resultado das eleições. Em vigília cívica contra as tentativas de rupturas, bradamos de forma uníssona: Estado Democrático de Direito Sempre!
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