As empresas sociais e criativas do Brasil estão gerando mais empregos formais para mulheres, jovens e pessoas LGBTQ + em comparação à economia brasileira em geral. No entanto, o quadro é menos positivo em relação à inclusão de negros, o que reflete obstáculos estruturais da sociedade brasileira.
É o que conclui o Mapeamento sobre Empreendedorismo Social e Criativo no Brasil, estudo inédito realizado pelo British Council e pelo DICE (Developing Inclusive and Creative Economies), programa do governo britânico que apoia o desenvolvimento do setor no Reino Unido, Brasil, Egito, Indonésia, Paquistão e na África do Sul.
O trabalho do British Council e do DICE se baseia na hipótese de que apoiar o desenvolvimento de projetos criativos e negócios sociais é uma maneira eficaz de abordar questões como desemprego, desigualdade, crescimento econômico e de construir sociedades mais inclusivas.
Tanto nos empreendimentos sociais como nos criativos analisados, 47% do staff é composto por mulheres."Os negócios sociais e criativos empregam uma proporção elevada de mulheres num país como o Brasil que possui uma taxa de subutilização da força de trabalho feminina quase dez pontos maior do que a dos homens", explica o pesquisador Gustavo Möller, da Catavento Pesquisa, responsável pelo estudo desenvolvido em parceria com a SEUK, Social Enterprise UK, que lidera a maior rede de empresas sociais no Reino Unido.
"O mesmo padrão é observado entre os jovens de 18 a 24 anos, segmento que se caracteriza por uma taxa de desemprego de 27% no ano passado, mais de dez pontos acima da taxa nacional", afirma o pesquisador.
O Mapeamento mostra que nos negócios sociais com até um ano de atuação, 23% das equipes são formadas por jovens com menos de 25 anos. Nas empresas criativas e nas híbridas, este índice chega a 21%.
Entre os grupos sociais vulneráveis, as empresas sociais e criativas estão empregando um número maior de funcionários LGBTQ + do que o esperado, principalmente os empreendimentos mais novos.
Naqueles com até um ano de operação, por exemplo, 21% do staff é composto por pessoas LGBTQ+. Em negócios com até cinco anos, 11% pertencem a este segmento. Essa taxa baixa para uma média entre 6% e 7% em empreendimentos com mais de 6 anos.
O mapeamento foi apresentado no evento Diálogos Transformadores, realizado pelo jornal Folha de S.Paulo e pelo British Council. De 2018 para 2019, o número de funcionários dos negócios sociais e dos híbridos aumentou em mais de 30%. Nas empresas criativas o crescimento chegou à metade dessa taxa.
"É importante notar que esse desempenho foi alcançado em face da estagnação do desemprego mais amplo no Brasil, que está constantemente acima de 10% desde 2016 (IBGE)", destaca o estudo. Quanto à contratação formal de negros, os números são bem mais baixos do que entre outras populações vulneráveis: nas empresas sociais eles são 9%, nas criativas 14%.
Para Adriana Barbosa, vencedora do Troféu Grão 2019 e integrante da Rede Folha de Empreendedores Socioambientais, este resultado revela a invisibilidade das mulheres negras no mercado de trabalho formal no país.
"Como o Mapeamento levantou especificamente esta parcela de trabalhadores, as pesquisas não chegaram até elas", avalia a criadora da Feira Preta, o maior festival da cultura negra da América Latina. "Boa parte das empresas com as quais me relaciono são de mulheres negras empregando mulheres negras, mas não são trabalhos formais. O que não quer dizer que não estejam empregando e trabalhando".
Um dos aspectos positivos apontados pelo estudo é de que, apesar das incertezas da economia brasileira, os empreendedores sociais e criativos são otimistas em relação ao próprio futuro e querem crescer fazendo negócios. Entre as empresas criativas, 67% esperam evoluir atraindo novos clientes e 55% delas acreditam que podem aumentar o volume de trabalho com o desenvolvimento e lançamento de novos produtos.
"Ninguém pode duvidar da criatividade natural do brasileiro", diz Martin Dowle, diretor presidente do British Council no Brasil. "Esta é uma sociedade inventiva que luta para superar os obstáculos impostos pela sociedade. Há uma falta clara de estratégia governamental, de políticas para o desenvolvimento e um longo caminho a ser percorrido em termos de inclusão, mas este estudo reconhece o que está sendo feito até agora".
Dan Gregory, diretor internacional de Desenvolvimento Sustentável da SEUK, considera o resultado do mapeamento muito bom para o Brasil no cenário global. "Fizemos pesquisas similares em países diferentes e estou feliz porque, aqui, a notícia é positiva. É encorajador que essas empresas estejam criando empregos e sociedades inclusivas".
Uma das hipóteses destacadas pelo mapeamento é que negócios sociais e criativos impactam positivamente as comunidades em que estão inseridos, reafirmando suas identidades e contribuindo para seu crescimento cultural e econômico.
É o caso do "Centro Cultural Lá da Favelinha", fundado pelo agitador cultural e empreendedor social Kdu dos Anjos, no Aglomerado da Serra, em Minas Gerais, uma das maiores favelas do Brasil. No Favelinha Fashion Week, jovens da comunidade desfilam com roupas recicladas, criadas pela marca própria Remexe , onde trabalham dez costureiras. Cada uma recebe R$ 1.200 por mês.
"O Mapeamento mostra o que está acontecendo. A periferia não tem só subemprego e tráfico. As pessoas de lá têm talento e podem viver dele", afirma. "O que existe na periferia é troca e sem dinheiro não há troca justa."
Kdu recebeu o apoio do DICE com a meta de dobrar a renda das mulheres não brancas que trabalham com eles. "Em um ano aumentou 250%", orgulha-se o empreendedor social e criativo.
Mesmo crescendo e se multiplicando, o estudo apontou que 35% dos empreendimentos sociais e 39% dos criativos têm dificuldade para acessar investimentos e vender inovação. É o que aponta Gustavo Glasser, vencedor do Prêmio Empreendedor Social de Futuro da Folha em 2019 com a Carambola, negócio social que forma pessoas em situação de vulnerabilidade (LGBTQ+, negros e jovens da periferia) para o mercado de tecnologia.
"Há duas coisas em que não acredito e nunca vi: investimento em inovação e em impacto social no Brasil", diz ele sobre as agruras de uma startup de educação e tecnologia como a dele conseguir investidores. "Os empresários querem inovação e quando mostro algo novo, perguntam se alguém já fez aquilo. Querem algo novo ou o que já existe?", questiona o chef e empreendedor social David Hertz, fundador da Gastromotiva, que com seus cursos, já capacitou e colocou mais de 5.500 pessoas no mercado de trabalho.
Entre os alunos, 62% reconhecem que ampliaram a renda e 90% continuam na área de gastronomia, 57% voltaram a estudar, 43% estão estudando na área de gastronomia. Mas estes dados não sensibilizam financiadores. "Não há uma empresa brasileira ou um indivíduo apoiando a Gastromotiva porque ela qualifica as pessoas", lamenta Hertz, vencedor do Prêmio Empreendedor Social de Futuro em 2009.
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