A inflação de preços controlados pela administração pública, como tarifas de serviços essenciais, deve ficar neste ano em um dos patamares mais baixos da história, mas voltará a pesar no orçamento do consumidor em 2021.
Por causa da pandemia, reajustes de planos de saúde e energia foram adiados. Além disso, os preços de combustíveis caíram por causa da desaceleração da economia em 2020, mas devem voltar a subir no próximo ano.
As projeções do Banco Central para a inflação dos chamados preços administrados são de 0,8% para 2020 e 5,1% para 2021 (ainda abaixo dos 5,5% de 2019). O IPCA total ficaria em 3,1% nos dois períodos, segundo a estimativa do BC.
As projeções não diferem muito daquelas feitas pelo setor privado, que descarta a possibilidade de um choque de preços no próximo ano semelhante ao que ocorreu no segundo mandato de Dilma Rousseff (2015-2016) e na presidência de Michel Temer (2016-2018), quando os administrados tiveram aumento médio de 9,5% por ano.
Alguns aumentos, no entanto, devem pesar no bolso dos consumidores em um momento de queda na renda.
A rodada de reajustes começa em janeiro, quando são definidas as novas tarifas de transporte público.
No mesmo mês também começam a subir os planos de saúde, cujo reajuste de 2020 será parcelado em 12 meses a partir de janeiro de 2021. Planos individuais e familiares terão um duplo reajuste, pois haverá ainda o aumento referente ao próximo ano.
As tarifas de energia elétrica subiram neste ano, mas houve certo alívio com a chamada Conta-Covid, que possibilitará diluir o repasse de despesas das empresas de energia no período da pandemia por um período de 54 meses a partir do segundo semestre de 2021. Sem esse mecanismo, o repasse para a conta de luz seria dividido em 12 meses.
Na noite desta segunda-feira (30), a Aneel (agência do setor de energia) decidiu reativar o sistema de bandeiras tarifárias, que passou de verde (mais barata) para vermelha patamar 2 (mais cara) para o mês de dezembro. Com isso, parte do reajuste esperado para 2021 será antecipado para 2020.
Os reajustes de água e esgoto e medicamentos chegaram a ser adiados, mas foram aplicados ainda em 2020.
Júlia Passabom, economista do Itaú Unibanco, afirma que os itens gasolina, energia e planos de saúde, que representam cerca de metade do peso dos administrados na inflação, foram os que mais ajudaram a segurar esses preços neste ano.
"Da mesma forma que neste ano esses itens administrados foram importantes para segurar a inflação, no próximo ano vão ser na outra direção", afirma a economista.
André Braz, pesquisador do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), também afirma que, no ano que vem, com o aquecimento da atividade tanto no Brasil como no resto do mundo, o preço dos combustíveis deve subir e ter uma participação mais forte na inflação.
Haverá ainda o reajuste de dois anos de plano de saúde. Ele afirma que os medicamentos também podem ter um reajuste maior por causa do impacto do dólar sobre a indústria do setor. O aumento, neste caso, é anunciado no final de março.
No transporte urbano, a economista do Itaú Unibanco afirma que os reajustes tendem a ser menores em anos com eleição e maiores nos períodos seguintes e que também pode haver algum mecanismo de compensação pela perda de passageiros neste ano.
O pesquisador do Ibre FGV afirma que, por outro lado, a queda no preço do diesel em 2020 contribui para aliviar a revisão das tarifas.
A alta do dólar e mecanismos de compensação também podem afetar outros segmentos, embora essa questão tenha sido parcialmente resolvida no caso do setor elétrico, um dos que mais pesam na inflação, pelo mecanismo da Conta-Covid.
Apesar dessas pressões os economistas avaliam que haverá uma compensação por conta do reajuste menor de outros itens que pesaram mais em 2020, como alimentos, o que ajudará a manter a inflação sob controle.
Marcelo Neves, professor Fipecafi (Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras, vinculada à FEA-USP), afirma que a queda na massa salarial e o baixo nível de utilização da capacidade industrial contribuem para esse cenário.
"Em função da pandemia alguns reajustes foram adiados, houve algum controle de preços, o que em momentos de crise é normal. No ano que vem, o PIB vai crescer menos do que caiu em 2020 e não será necessário fazer investimento na capacidade instalada para atender uma demanda em que você teve destruição de salários", afirma Neves.
"Haverá condições para fazer uma recomposição de preços administrados de forma que não vai comprometer a meta de inflação, porque eu tenho capacidade ociosa e destruição de renda. Não vai causar um estrago na economia, diferente do que vimos anos atrás", diz o professor Fipecafi, se referindo à liberação de preços realizada em 2015.
"A composição da inflação para o ano que vem muda. A deste ano foi 70% comida e 30% tudo mais. No ano que vem, acho que alimentação vai continuar respondendo de forma importante, talvez 40% ou 50%", afirma Braz, do FGV Ibre.
A mediana das projeções na pesquisa Focus, feita pelo Banco Central junto ao setor privado, aponta para uma inflação medida pelo IPCA de 3,40% no próximo ano, abaixo da meta de 3,75%. A projeção para os administrados é de aumento de 4,5%.
"Os preços administrados, como muitos deles têm de passar por agências reguladoras, houve um esforço para segurar, mas a previsão é que para o ano vem o reajuste seja acima da inflação", afirma George Salles, economista e professor de Finanças do Ibmec Brasília e São Paulo.
"E isso não vai ser ajustado só em 2020. Pode se esperar uns dois anos de reajustes de preços administrados um pouco acima da inflação".
Os preços administrados respondem por cerca de 25% do índice de preços ao consumidor do IBGE, o IPCA, que serve como referência para a meta de inflação fixada pelo governo. Os outros 75% são os chamados preços livres, que não são controlados pelo governo ou agências reguladoras.
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