Uma dos pontos centrais do projeto de reforma da Previdência enviado pelo governo federal à Câmara, a criação de um regime de capitalização - que havia sido retirada pelos deputados federais -, deve voltar a discussão. O governo quer encaminhar ao Congresso em até duas semanas um projeto para criar o novo sistema previdenciário no país: o trabalhador vai financiar sua própria aposentadoria.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) de reforma da Previdência enviada em fevereiro previa a criação de um regime de capitalização, mas sem detalhar como ele funcionaria. A ideia era de que, uma vez prevista na Constituição, as regras da capitalização pudessem ser definidas por meio de projeto de lei, mas isso deixou deputados desconfiados e acabou sendo retirado da proposta que foi aprovada na Câmara.
Agora, a estratégia será propor a capitalização já com os detalhamentos de como ela vai funcionar, segundo o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que disse que a equipe técnica do Ministério da Economia ainda trabalha na elaboração do texto. O governo não deve esperar a aprovação da reforma no Senado para encaminhar a capitalização.
Outra ideia que vem sendo cogitada é a de inclusão da capitalização em uma PEC paralela que será de autoria dos senadores, inclusive o ministro Paulo Guedes pediu ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM), ajuda nessa articulação. Esse projeto a parte também deve conter a volta de servidores de Estados e municípios na reforma.
A capitalização é um regime em que a contribuição previdenciária que é descontada do salário bruto do trabalhador vai para uma conta individual em seu nome, para formar uma poupança pessoal que ficará rendendo juros no mercado financeiro para bancar sua aposentadoria no futuro. Em linhas gerais, cada trabalhador vai contribuir para a sua própria aposentadoria.
O sistema se difere bastante do atual, de repartição, em que todos os trabalhadores - sejam do INSS ou dos regimes próprios de servidores -, contribuem para o sistema para bancar os benefícios de quem está aposentando hoje. Ou seja, tudo que entra de recurso já sai - e ainda nem é suficiente para pagar os benefícios, sendo necessários bilionários aportes do governo para garantir os pagamentos).
Como seria
As regras específicas ainda não foram divulgas e vão depender dos estudos do governo, além da disposição dos parlamentares na negociação. A ideia é que a capitalização só seja válida para os trabalhadores que ainda vão entrar no mercado de trabalho, ou seja, que não contribuíram para o INSS ainda. Não se sabe se o modelo será opcional ou não para esse novo trabalhador.
A proposta anterior do governo previa que a contribuição mensal seja escolhida no ato da adesão do trabalhador à capitalização (10% do salário bruto, em média) e que o valor da aposentadoria dependeria de quanto o trabalhador poupou e da rentabilidade de sua conta individual.
Já a nova deverá ser autoaplicável, contendo detalhes no novo regime, como contribuição de trabalhadores e empregadores, e valor mínimo do benefício, já que na proposta da reforma enviada à Câmara o tema foi apresentado de forma genérica, o que gerou resistência.
Em entrevista, Lorenzoni defendeu que o modelo preveja uma contribuição patronal e não só contribuições do trabalhador, mas ainda não está claro como isso vai ficar.
Na avaliação do diretor da Instituição Fiscal Independente do Senado (IFI), Josué Pelegrini, a inclusão da capitalização na PEC parela seria mais díficil e atrasaria outros projetos, como a reforma tributária, mas ele ressalta a importância da mudança e o que deveria ser feito caso, de fato, caso haja a tentativa de ressuscitar a proposta.
Benefício mínimo
A gestão das contas individuais dos trabalhadores poderá ser feita por entidades de previdência privadas, geralmente bancos, que vão gerir os fundos capitalizados aplicando no mercado financeiro e permitindo o acompanhamento pelos segurados e beneficiários das rentabilidades e dos encargos cobrados.
A crítica, por parte muitos especialistas em Previdência, é que a capitalização dessa forma acabaria por fazer com que, ao se aposentarem, pessoas recebam menos que o salário mínimo - como acontece no Chile, país de onde Guedes copiou a proposta de capitalização -, já que o valor do benefício dependerá do quanto ela contribuiu ao longo da vida.
Essa é a mudança central que Pelegrini avalia como necessária, e que inclusive fontes do governo já admitem fazê-la em parceria com os senadores, incluindo a possibilidade de um benefício mínimo, que não seja inferior a um salário (hoje em R$ 998).
Para isso, uma ideia pode ser a criação de um sistema híbrido, meio capitalizado e meio de repartição, para garantir que todos os segurados, ao se aposentarem, não tenham um benefício muito baixo.
A capitalização que foi proposta não garantia esse benefício mínimo já que o valor que foi poupado ao longo da vida não necessariamente será suficiente para isso. É um ponto que precisaria ser resolvido, diz Pelegrini.
Já para o governo, o novo sistema seria o ideal para resolver de vez o problema previdenciário brasileiro, por isso a pressão para fazer com ela retorne à PEC. A visão do Planalto é que a capitalização seria a verdadeira Nova Previdência a qual o projeto se refere e que, sem ela, em 10 ou talvez 5 anos já seria necessária uma nova reforma.
Espírito Santo e outros 10 Estados têm capitalização
A adoção de um sistema previdenciário capitalizado já foi a aposta da maioria dos Estados brasileiros na tentativa de salvar suas Previdências (no caso, os regimes próprios de servidores). De 1998 para cá, só Acre, Mato Grosso, Pernambuco e São Paulo não fizeram a segregação do sistema com a criação de um fundo capitalizado.
Porém, das outras 23 unidades da federação que fizeram a capitalização, 12 a reverteram extinguindo o sistema ou o alterando - por causa dos custos - e só 11 o mantém intacto, conforme relevou reportagem do jornal "Folha de S. Paulo". Entre esses 11 está o Espírito Santo, que criou e mantém desde 2004 o chamado Fundo Previdenciário, hoje com mais de R$ 3 bilhões aplicados.
É importante ressaltar que o modelo adotado aqui e nos demais Estados não é exatamente o mesmo do governo federal. No regime proposto por Guedes, o trabalhador contribui para um conta individual e só receberá, quando aposentado, o que conseguiu juntar além dos rendimentos desta poupança.
Já no poder público do Espírito Santo e em outros Estados, o que é existe é um fundo de previdência que é capitalizado. Os trabalhadores e o empregador contribuem para o fundo, que é único e solidário. Dessa forma, o segurado ao se aposentar não recebe apenas os valores que ele contribuiu.
Custo a se pagar
A nível de contas públicas, o grande debate feito sobre a capitalização, sobretudo na sua implantação a nível nacional, é relacionado aos altos custos de transição do regime atual para o capitalizado, o que já vem sendo vivido pelos Estados que optaram pelo modelo, como o Espírito Santo.
Apesar de o sistema no futuro garantir um sistema previdenciário sustentável, até lá os trabalhadores que já estão no mercado continuarão se aposentando pelo regime de repartição. Como serão cada vez menos trabalhadores ligados a esse modelo antigo, o aporte do poder público para bancar os benefícios precisará ser cada vez maior.
Hoje, 23 Estados possuem rombo nos regimes de servidores, sobretudo os que optaram pela capitalização e têm que arcar com as aposentadorias dos funcionários ligados ao sistema de repartição.
No Espírito Santo, esse déficit tem crescido ano a ano e deve chegar a R$ 2,45 bilhão neste ano. Até 2030, o chamado Fundo Financeiro (que é o de repartição) deve acumular rombo de R$ 37 bilhões.
O temor é que a nível nacional - em que a União teria que arcar com os custos de transição não apenas do regime de servidores da União, mas também dos segurados do INSS - o peso nas contas públicas seja pesado demais para os cofres públicos suportarem nos próximos anos.
Estimativas informais dão conta de que essa transição custe cerca de R$ 1 trilhão ao Tesouro em 20 anos, o que em tempos de crise fiscal poderia significar a falência do país.
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