A ideia de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para retirar despesas do teto de gastos e ao mesmo tempo liberar espaço para emendas parlamentares não reuniu consenso entre governo e aliados. Apesar da resistência, o Ministério da Economia insiste na necessidade da proposta para liberar medidas ligadas ao combate à pandemia do coronavírus. Para isso, a pasta propôs uma versão mais enxuta do texto.
Um interlocutor da ala política do governo afirmou à reportagem que o Executivo não deve apresentar a PEC no formato que circulou nos últimos dias. A mesma pessoa ressaltou que a proposta era apenas uma das possibilidades aventadas para resolver os impasses com os gastos neste ano.
O Ministério da Economia diz que a versão do texto que circulou nesta semana está desatualizada e descartada, mas que continua discutindo uma proposta - em formato mais restrito - para acomodar certos gastos extraordinários com a pandemia.
Isso valeria para abrigar principalmente medidas como compra de vacinas e programas de emprego e de crédito. A ideia é retirar o trecho que abre caminho para emendas e obras fora do teto, o que havia gerado críticas de analistas.
As mudanças são comentadas após uma reação do mercado à proposta. Diante das incertezas sobre os gastos em 2021, o real teve o pior desempenho global entre as moedas na segunda-feira (12), com o dólar fechando em alta de 0,9%, a R$ 5,7258.
Apesar da repercussão negativa, técnicos do ministro Paulo Guedes (Economia) ainda afirmam que uma nova PEC é necessária para dar respaldo às medidas de saúde, crédito e emprego ligadas à Covid. Isso porque há um receio no Ministério da Economia de que atos do Executivo possam ser questionados por órgãos de controle por eventual desacordo com regras fiscais.
A PEC - em uma versão mais enxuta - seria uma forma de dar segurança jurídica aos programas.
Entre os receios de integrantes da pasta está o temor de responsabilização caso algum órgão de controle decida que, como a crise da Covid-19 começou no ano passado, não seria permitida a abertura de crédito extraordinário (instrumento autorizado pela Constituição apenas em casos urgentes e imprevisíveis).
Agrava a insegurança dos membros da Economia o fato de o Orçamento ainda não ter sido sancionado o que, teoricamente, possibilitaria modificações para abrigar as despesas ligadas à Covid sem necessidade de flexibilizações na legislação.
O Orçamento de 2021 ainda está à espera da sanção do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) por ter uma série de problemas - inclusive a previsão de uma pedalada nos mesmos moldes da que derrubou Dilma Rousseff.
O receio dos técnicos foi comentado publicamente pelo secretário especial de Previdência e Trabalho, Bruno Bianco. "Ainda que lancemos mão de crédito extraordinário, existe a preocupação de que não teremos a segurança necessária. Porque você poderia ter o espaço para fazer dentro do Orçamento. E o crédito, constitucionalmente falando, está fora do Orçamento. E se não temos o Orçamento, isso cria uma insegurança para tudo isso, disse Bianco há menos de duas semanas.
Com a nova versão da PEC, a Economia ganharia passe livre definitivo para os programas enquanto avalia que os valores desta vez não causarão susto no mercado. O entendimento na equipe econômica é que parte dos créditos extraordinários já estavam contabilizados pelo mercado financeiro.
É o caso de R$ 10 bilhões para programa de corte de jornada e salário do trabalhador, cujo objetivo é evitar demissões em massa. Assim, se insistir na ideia de uma PEC, Guedes deve atacar o desejo da ala política de colocar obras (emendas parlamentares) fora do teto.
Apesar das discussões, a proposta não reúne consenso na equipe econômica. Enquanto uma ala mais rigorosa com as regras defende uma nova PEC, outra ala não vê motivo para receios e até considera difícil emplacar a ideia da nova PEC por considerar complicado o trabalho de articulação perante o Congresso.
Toda a discussão sobre uma nova PEC acontece pela resistência de Guedes a acionar o dispositivo da calamidade pública. O instrumento aprovado pelo Congresso em março, por meio da PEC Emergencial, permitiria uma liberação ampla de gastos para a pandemia. Mas o ministro evita essa saída.
Guedes combinou com o Congresso no começo do ano que a PEC teria a cláusula de calamidade mas sua ideia era que, em contrapartida pelo acionamento do dispositivo, seriam vedadas outras despesas (como o reajuste para servidores) por até três anos.
O problema é que o Congresso modificou o trecho e restringiu a limitação de gastos somente para o exercício da calamidade. Como os salários de servidores já estão congelados neste ano, o ministro vê esse tipo de medida como inócua e considera o acionamento do dispositivo um cheque em branco.
"[Ao] apertar hoje o botão de calamidade, você seguraria os salários [de servidores], que já estão travados até dezembro. Seria apenas uma licença para gastar, um cheque em branco. Em vez de ser um sinal de estabilidade, seria o contrário", disse o ministro recentemente.
A proposta ventilada nesta semana gerou controvérsia ao suspender as principais regras fiscais (como o teto de gastos) para ao menos R$ 35 bilhões em despesas, sendo que R$ 18 bilhões seriam direcionados a "outras despesas para atenuar os impactos sanitários, sociais e econômicos agravados durante o período da pandemia de Covid-19".
O trecho não especifica o que pode receber tais recursos, abrindo espaço até para obras de infraestrutura via emendas parlamentares.
Felipe Salto, diretor-executivo da IFI (Instituição Fiscal Independente, órgão do Senado que monitora as contas públicas), afirma que a nova PEC seria um equívoco. "É inacreditável o que estamos vendo na gestão fiscal e orçamentária", afirmou. "Não vai dar certo. Abre-se a caixa de pandora da contabilidade criativa. É preciso ter claro: risco altíssimo", disse Salto.
Em outras ocasiões, o economista já defendeu que não seria necessário aprovar uma PEC para fazer gastos emergenciais. A avaliação é que as regras atuais já permitem a liberação desses recursos com urgência, bastando que o governo ajuste a meta fiscal e a regra de ouro por meio de instrumentos legais mais simples do que uma emenda constitucional.
Por outro lado, lideranças partidárias próximas a Bolsonaro já defendem nos bastidores que o governo avalie a decretação de calamidade para enfrentar a pandemia, que segue em aceleração.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta