O debate em torno da estabilidade do servidor público é um falso problema, na avaliação do ex-ministro da Controladoria-Geral da União (CGU) e do Planejamento Valdir Simão.
O advogado afirma que a prerrogativa não é garantia de permanência indefinida no cargo e defende o aprimoramento de mecanismos de avaliação do serviço público.
Atualmente, 0,4% dos servidores federais são desligados no período do estágio probatório. E, após efetivação, não há demissões por mau desempenho.
Responsável pela pasta que cuidava da gestão de servidores no governo Dilma Rousseff (PT), Simão diz concordar com a proposta de reforma administrativa apresentada pelo ministro Paulo Guedes (Economia). Para ele, seria difícil fazer mudanças mais radicais do que as propostas pelo governo Jair Bolsonaro.
O advogado, no entanto, diz ser uma "meia verdade" a afirmação de que o pacote alcança apenas futuros servidores, porque as novas regras de demissão e avaliação valerão para todos, o que deve gerar ruídos no Congresso.
Sobre o argumento de membros do atual governo de que a gestão petista ampliou gastos, com aumento das contratações de servidores e reajustes salariais acima da inflação, Simão afirma que as carreiras foram fortalecidas pelo PT, "mas faltou estruturar melhor, estabelecendo-se uma remuneração de entrada mais adequada e critérios meritocráticos para a progressão".
É um conceito comum em países nos quais a administração pública tem relevância na prestação de serviços. Ao mesmo tempo, é importante para atividades que precisam de alguma proteção contra qualquer tipo de ingerência, para evitar interferência de pessoas que tenham essa possibilidade de intervir. A estabilidade é importante, é claro que para algumas atividades, o que se convencionou chamar de atividades típicas de Estado e que agora na proposta de reforma do governo é mantido.
Sempre houve discussões sobre as contratações das atividades meio. No governo do PT, se discutiu muito que atividades de suporte, de apoio, não necessariamente precisariam ser exercidas por servidores públicos com estabilidade. Esse é um conceito moderno. Eu concordo que a gente deva reservar a estabilidade às atividades que necessariamente precisam ser exercidas por agentes de Estado. Essas atividades de suporte podem ser prestadas por contratação direta de servidores de prazo determinado e indeterminado ou, eventualmente, por empresas que prestam serviços de suporte.
Exatamente. A questão da estabilidade é um falso problema. O problema é a falta de avaliação de desempenho. Você tem previsão de demissão de servidor por insuficiência de desempenho. A Constituição estabelece que a estabilidade não impede a demissão por falta de desempenho, mas você precisa avaliar o servidor. E esse processo de avaliação nunca foi estruturado. Na Constituição, há a previsão de uma lei complementar [para regulamentar esse ponto], que nunca foi aprovada pelo Congresso. Agora, o que a reforma encaminhada pelo governo propõe é que a regra de avaliação seja introduzida por lei ordinária.
Me preocupa o fato de o período de experiência ser uma etapa do processo de seleção do futuro servidor da atividade típica de Estado. Por exemplo, um auditor-fiscal que lavra um auto de infração no período de experiência e vem a ser demitido, esse ato que ele praticou pode ser questionado.
O mais importante é estruturar adequadamente o processo de avaliação. Que seja feito ao fim do período de estágio probatório ou de experiência e, periodicamente, durante o exercício da função. Hoje, falamos de uma avaliação dos três primeiros anos de exercício. E o servidor vai ficar 30 ou 35 anos na carreira. Essa avaliação tem que ser recorrente.
É claro que tem que ser uma avaliação muito bem estruturada para evitar que o servidor seja intimidado a tomar decisões de interesses que não sejam republicanos. A comissão de avaliação precisa ser transparente, autônoma, com participação da sociedade. Não pode ser algo que coloque qualquer tipo de preocupação sobre alguma interferência indevida.
Hoje não temos um conceito fixo. Quando a gente fala sobre as carreiras típicas de Estado, é claro que vêm à mente as atividades de advocacia pública, fiscalização e controle, Polícia Federal e diplomacia, mas esse conceito deveria vir para o texto [da lei]. O texto é tão detalhado, não teria dificuldade de se colocar ali, por exemplo, juiz e Ministério Público. Você precisa dar uma clareza.
É claro que quando você seleciona carreiras que serão típicas de Estado, isso vai gerar uma grande controvérsia, um movimento das carreiras que não forem contempladas, e vai criar uma resistência ao projeto. Eu acho que esse é um conceito muito importante e precisa ser discutido.
Concordo com o argumento, mas se o governo não anuncia quais atividades são típicas de Estado, como ele pode dizer que não tem competência para propor ajustes nessas carreiras de outros órgãos? Eu acho que essa foi uma precaução até justificável, mas, a princípio, entendo que ele teria competência [para propor a mudança de regras].
Do ponto de vista da preocupação, é válido. E não vai inviabilizar que esse tema seja discutido. O Congresso tem autonomia para que essas carreiras, como juízes e membros do Ministério Público, sejam incluídas na reforma administrativa.
Não tenho dúvida que isso será discutido porque o governo já incluiu na reforma os servidores dos demais Poderes que não são efetivamente os membros desses Poderes. Então, me parece natural que o Congresso coloque esse tema em discussão.
Ninguém em sã consciência discute a necessidade de reorganização administrativa dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. As carreiras precisam ser repensadas, os salários de ingresso são muito altos. A carreira precisa ter um horizonte de tempo, em especial agora que a aposentadoria se dá mais tardiamente. É necessário que o servidor tenha estímulo para se desenvolver dentro da carreira. Não tem condições de o servidor ingressar no cargo com 80% do salário máximo e chegar ao teto depois de alguns anos, perdendo estímulo.
Hoje, no estágio probatório, os órgãos fazem avaliações muito superficiais. De um lado, não querem perder o servidor, ainda que o desempenho dele não seja satisfatório, e, de outro lado, tentam evitar a briga que é gerada depois, porque esses casos acabam judicializados.
Sou favorável ao argumento de que o importante é você ter uma proposta que tenha condições de ser aprovada. Essa foi primeira camada da reforma. A segunda camada, que são as leis, será ainda mais importante. Acho que a proposta foi na medida. Não adianta colocar algo mais ousado se não houver condições de aprovação. Me parece que o governo fez essa avaliação.
A proposta apresentada é o que é possível neste momento, foi bastante equilibrada e não daria, na minha opinião, para ser mais do que isso.
Do ponto de vista de impacto, dizer que ao alcançar somente os futuros servidores você facilita a discussão é uma meia verdade. Todo o processo de avaliação de desempenho vai valer para os atuais servidores também.
As carreiras foram fortalecidas na gestão do PT. Mas faltou estruturar melhor, estabelecendo uma remuneração de entrada mais adequada - as remunerações iniciais são, de fato, muito altas-- e critérios meritocráticos para a progressão.
Esse tipo de discussão sempre foi sensível, e continua. É importante dizer que muito foi feito sob a ótica do controle da folha de pagamento do governo federal, para eliminar distorções. Foi implantado em 2016 um modelo de monitoramento de políticas públicas e da despesa com pessoal.
Muitos cargos em comissão e funções gratificadas foram cortados. Mas ainda há ajustes a serem feitos.
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