Após pressões de investidores internacionais e empresas brasileiras, um grupo formado por ex-ministros da Fazenda e ex-presidentes do Banco Central do Brasil se une nessa terça-feira (14) às reivindicações por uma retomada da economia no pós-pandemia atenta às mudanças climáticas e pelo fim do desmatamento na Amazônia e no Cerrado.
O grupo assina uma carta conjunta. Entre os signatários estão o ex-presidente da República e ex-ministro da Fazenda Fernando Henrique Cardoso, os ex-ministros da Fazenda e colunistas da Folha Armínio Fraga e Nelson Barbosa e os ex-ministros da Fazenda Henrique Meirelles (que atuou também como presidente do Banco Central)?, Joaquim Levy, Pedro Malan, Eduardo Guardia, Gustavo Krause, Luiz Carlos Bresser-Pereira, Maílson da Nóbrega, Marcílio Marques Moreira, Rubens Ricupero e Zélia Cardoso de Mello.
Ainda assinam o texto os ex-presidentes do Banco Central Ilan Goldfajn, Pérsio Arida, Alexandre Tombini e Gustavo Loyola.
A carta reúne responsáveis pelas políticas econômica e monetária do país que vão do governo José Sarney a Dilma Rousseff, passando por Fernando Collor, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva.
"O momento é de sofrimento e angústia para todos. A perda de emprego e renda é uma realidade que aprofundará a desigualdade social. Os efeitos de longo-prazo da pandemia serão severos, inclusive devido ao contexto fiscal ainda mais desafiador", afirmam os signatários da carta. "Mas a crise também abre a oportunidade de convergirmos em torno de uma agenda que nos possibilite retomar as atividades econômicas e, simultaneamente, construir uma economia mais resiliente ao lidar com os riscos climáticos e suas implicações para o Brasil."
Conforme os ex-ministros, os custos de descuidar de eventos climáticos poderão ser bem maiores do que os da atual pandemia. "O governo tem um papel essencial em alinhar incentivos e expectativas, criando um ambiente favorável à ação sustentável do setor privado e do mercado", alertam.
Entre as sugestões listadas pelo grupo, estão o fim de subsídios para combustíveis fósseis; zerar o desmatamento na Amazônia e no Cerrado; expandir investimentos sustentáveis e impulsionar a pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias.
"O prejuízo do desmatamento tem levado diversos parceiros comerciais importantes e investidores estrangeiros no Brasil a expressarem veementemente seu descontentamento e preocupação, que certamente se traduzirão em menores fluxos de comércio e investimentos no país", alertam os economistas.
Iniciativas semelhantes já foram feitas por ex-ministros da Saúde e ex-ministros do Meio Ambiente de gestões passadas, buscando mostrar que há uma grande convergência de diferentes partes do espectro da política brasileira contra os atuais rumos da gestão de Jair Bolsonaro (sem partido).
"O Brasil tem que sair da posição que está hoje, na contramão do mundo, para uma posição de liderança, como exemplo de país voltado ao meio ambiente", afirmou Pérsio Arida, durante coletiva de imprensa de lançamento da carta, citando como vantagens do país a Amazônia ainda a preservar e as fontes de energia limpa abundantes. "Isso é perfeitamente possível. Depende da vontade da sociedade e de um governo que tenha isso como meta.'
Arida foi presidente do BNDES e do Banco Central durante as gestões Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso, respectivamente
Para Gustavo Loyola, duas vezes presidente do BC também nos governos Itamar e FHC, há um falso dilema no país de que para combater a burocracia e a insegurança jurídica seria preciso relaxar as regras de proteção ao meio ambiente. "Isso é uma balela", afirmou. "A ideia de acabar com a burocracia às custas da proteção do meio ambiente é totalmente equivocada, um dilema que não existe, como o do distanciamento social versus recuperação da economia."
Rubens Ricupero disse que não é mais possível manter ilusões sobre a posição do atual governo. Ele lembrou da demissão ontem da coordenadora do Inpe, responsável pelo monitoramento do desmatamento da Amazônia; das demissões de dois diretores de fiscalização do Ibama, após operação contra mineradores ilegais; da supressão da subsecretaria de combate à mudança climática do Ministério do Meio Ambiente; do corte de verbas ao setor ambiental; e da fala de Salles na reunião ministerial sobre "passar a boiada" em meio à pandemia.
Segundo Ricupero, ex-ministro da Fazenda e o Meio Ambiente e da Amazônia Legal sob Itamar, a reação que começa a se esboçar no governo às pressões de investidores e empresas contra o desmatamento é até agora apenas uma "operação de relações públicas" e a mobilização das forças armadas na preservação das florestas é "para inglês ver", pois elas não estão preparadas para essa função.
"O atual presidente recebeu um apoio de 100% dos grileiros, dos desmatadores e dos mineradores ilegais e esses são interesses nefastos e criminosos", disse Ricupero. "Há um problema de cumplicidade. Então acho difícil imaginar que possa haver uma melhora. O máximo que se pode esperar, na base de uma pressão crescente e contínua, é limitar os danos. Se não houver isso, esse governo fará até fim do seu mandato destruições ainda mais irreversíveis."
Na segunda-feira (13), o ministro da Economia, Paulo Guedes, voltou a afirmar que as preocupações ambientais de outros países com relação ao Brasil estão ligadas a agendas protecionistas.
"Nós pedimos compreensão à comunidade mundial. Muita gente se esconde atrás de políticas protecionistas para seus próprios recursos naturais, sua agricultura, condenando o Brasil. Há interesses protecionistas condenando o Brasil, em vez de ajudando o Brasil", afirmou em videoconferência promovida pela OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
Em junho, a Amazônia teve mais uma alta de desmatamento em relação ao ano anterior, sendo o maior registro desde 2016. Foi o 14º mês seguido de aumento de desmate no bioma.
Também na segunda-feira, o governo demitiu a coordenadora-geral de Observação da Terra do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), estrutura responsável pelos sistemas de monitoramento de desmatamento na Amazônia.
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