A falta de clareza do governo Jair Bolsonaro sobre as medidas econômicas a partir de 2021 entrou no radar das agências de rating e é vista como um risco para a nota do Brasil.
A classificação do país está três degraus abaixo do nível de bom pagador e é inferior à de pares emergentes como México, Colômbia e Peru.
"A falta de visibilidade a partir do ano que vem poderia nos levar a rever a trajetória fiscal e começar a assumir uma [situação de] dívida mais alta, com riscos maiores sobre a nota", afirma à Folha Livia Honsel, analista principal para o Brasil da S&P Global Ratings (antiga Standard & Poor's).
Apesar de ter mais seis meses para uma nova avaliação sobre o país, a agência pode fazer uma revisão a qualquer momento caso os analistas entendam que precisam calibrar melhor as expectativas de investidores.
O alerta é dado enquanto o governo emite sinais trocados sobre a política econômica.
O ministro Paulo Guedes (Economia) afirma que o estado de calamidade pública vai até o fim do ano, por exemplo, mas internamente membros da pasta reconhecem que um mecanismo para flexibilizar regras fiscais pode ser usado em 2021.
Além disso, o programa social Renda Cidadã foi anunciado no mês passado usando recursos que quitariam dívidas já reconhecidas pela Justiça (os precatórios).
A falta de pagamento dessas obrigações foi criticada por analistas por não representar um corte de despesas e por gerar um acúmulo de passivos nas contas do Tesouro. A ideia, segundo Guedes, foi abortada.
Apesar de a agência reconhecer que os debates sobre o futuro pós-Covid podem ser complexos, a indefinição é mais um risco a jogar contra o Brasil, ao lado de fatores como a dívida já elevada em relação ao PIB (Produto Interno Bruto), a perspectiva de baixo crescimento no médio prazo e o atraso na agenda de reformas.
"Estamos esperando para ver como avança esse debate. Sabemos que o tempo é curto e, com as eleições municipais em novembro, vão ser meses tensos", afirma Honsel.
A consequência de uma eventual saída de Guedes, como tem sido especulado pelo mercado, depende menos da pessoa em si e mais do sinal de compromisso do governo com as contas públicas.
"Nós não avaliamos nomes ou personalidades, mas os resultados. Tudo depende da continuidade", afirma.
"É um ministro que defende austeridade. Se ele fosse embora, a reação do mercado seria negativa, mas do ponto de vista do rating a avaliação seria como vai continuar o compromisso com a consolidação fiscal sob outro ministro", diz.
A possibilidade de alteração do teto de gastos -regra que limita o aumento das despesas à inflação do ano anterior-- é monitorada de perto pela agência.
Por um lado, Honsel pondera que a alteração da regra pode ser amenizada caso seja acompanhada de outros compromissos do governo.
"Uma alteração do teto talvez não seja o sinal mais positivo, mas [a avaliação] depende de vários fatores como o tamanho da alteração, se essas medidas serão compensadas por outras, se serão acompanhadas com certo compromisso no avanço das reformas estruturais", afirma. "Tudo é relativo", diz.
Por outro lado, a agência entende que uma mudança do teto em meio ao atual cenário pode acabar deteriorando o consenso político sobre a importância da responsabilidade fiscal e causar incerteza no mercado.
Segundo a S&P, isso levaria a potenciais efeitos negativos nas expectativas de recuperação econômica, estabilidade financeira e inflação.
Uma escalada nos gastos pode levar a novos rebaixamentos, uma vez que a agência considera em seu cenário base que haveria uma retomada do ajuste fiscal a partir do ano que vem.
Por isso, um compromisso político concreto com a responsabilidade fiscal é considerado essencial pela agência.
"Se não for o caso, se o déficit continuar mais alto que nosso cenário base, e isso levar a dívida a aumentar a níveis que não esperamos, poderia haver um cenário diferente, mais negativo e que poderia nos levar a um downgrade do rating", diz Honsel.
Na avaliação de abril, a S&P reafirmou seu rating de longo prazo BB- para o Brasil e rebaixou a perspectiva de positiva para estável.
A alteração refletiu as menores chances de uma elevação na nota por causa do impacto da pandemia, com condições econômicas mais desafiadoras e menos propícias para um avanço relevante na agenda de reformas.
A agência não entende haver uma data-limite para a aprovação das reformas e incorpora em seu cenário base uma demora no andamento das medidas, em razão da complexidade das discussões. Até mesmo porque, ainda que elas sejam aprovadas em 2021, a agência não espera um impacto no curto prazo.
Mesmo assim, um avanço mais lento que o esperado sinalizaria que ajustes fiscais vão demorar mais, o que prejudicaria as avaliações. "A questão das reformas é chave para a trajetória do rating no médio prazo. Sem elas, vai ser difícil esse rating melhorar", afirma.
Reformas microeconômicas e regulatórias têm maior probabilidade de avançar, por outro lado, como ocorreu recentemente com a nova lei de saneamento (que amplia a participação do setor privado no setor).
Os ratings do Brasil são prejudicados atualmente principalmente pelo desequilíbrio fiscal e pelo baixo crescimento econômico.
"Depois de uma recuperação de 3,5% no ano que vem, por enquanto não vemos crescimento mais forte nos próximos anos, o que significa que essa avaliação econômica continuaria pesando negativamente no rating", diz.
Por outro lado, as reservas internacionais, a baixa dívida externa, a política monetária considerada proativa, a taxa de câmbio flutuante, a composição favorável da dívida e um ativo mercado de renda fixa local contam positivamente e barram uma piora maior na percepção de risco.
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