A indústria de tecnologia viveu ontem um momento histórico, com o depoimento simultâneo de Jeff Bezos, Sundar Pichai, Tim Cook e Mark Zuckerberg no Congresso dos EUA. Presidentes das gigantes Amazon, Google, Apple e Facebook, respectivamente, eles tiveram de responder a perguntas sobre concorrência desleal, aquisições, uso de dados de clientes e até mesmo hidroxicloroquina, em uma sessão que durou quase seis horas.
Mais do que isso, viram seus modelos de negócios serem postos em xeque, no que pode ser o princípio de uma mudança significativa no status quo de quatro das cinco maiores empresas do setor no mundo, com valor de mercado conjunto que beira os US$ 5 trilhões.
Realizado pelo comitê antitruste da Câmara dos Deputados, o depoimento foi o ponto culminante de uma investigação que já dura 13 meses e amealhou 1,3 milhão de documentos. Parte deles, revelada ontem, pode mudar dramaticamente o Facebook: um conjunto de e-mails de Mark Zuckerberg mostra que, antes de adquirir o Instagram, ele via o app como um competidor e, por isso, decidiu comprá-lo por US$ 1 bilhão.
"O Instagram pode nos causar dano", escreveu Zuckerberg ao diretor financeiro do Facebook na época. Durante a sessão, Zuckerberg reafirmou essa visão e concedeu o mesmo status de rival ao WhatsApp, comprado pela empresa em 2014 por US$ 19 bilhões. Feita sob juramento, a afirmação pode colocar o Facebook em problemas, uma vez que comprar um competidor direto pode contrariar a lei de antitruste americana. "A aquisição do Instagram pelo Facebook se enquadra no que as leis foram desenhadas para prevenir. É algo que não poderia ter sido aprovado", disse o deputado democrata Jerry Nadler, de Nova York.
Zuckerberg respondeu que a aquisição não enfrentou oposição na época. Hoje, porém, o cenário mudou: o órgão está analisando ativamente aquisições feitas na área de tecnologia e pode chegar a uma nova conclusão, revertendo as transações e transformando Instagram e WhatsApp em empresas separadas.
Em um dos momentos mais tensos, a deputada Pramila Jayapal perguntou se Zuckerberg tentou clonar um produto de um rival após não conseguir comprá-lo, em referência ao Snapchat, cujas funções de mensagens efêmeras apareceram no WhatsApp e no Instagram. Zuckerberg negou, afirmando que "adaptou funções criadas por outros". A deputada respondeu: "Lembre-se que você está sob juramento", dando a entender que ele estaria mentindo.
Outro tema bastante presente durante o julgamento foi o do uso, pelas quatro gigantes, de dados de consumidores e concorrentes para influenciar seus negócios. A Amazon, por exemplo, foi acusada de usar dados de parceiros que usam sua plataforma para determinar que tipo de produtos a gigante deve desenvolver.
Na sessão, Jeff Bezos disse que a empresa tem uma política para prevenir isso, mas não pôde garantir à deputada Jayapal que a prática nunca tenha sido violada. O homem mais rico do mundo, com fortuna de US$ 180 bilhões, admitiu que constantemente vende sua caixa de som conectada, Amazon Echo, abaixo do preço de produção, e que a assistente de voz da empresa, Alexa, direciona consumidores para produtos da própria Amazon, duas atitudes que poderiam ser caracterizadas como concorrência desleal.
Sundar Pichai, do Google, também teve de responder a acusações sobre uso de dados de competidores. O democrata David Cicilline, presidente da comissão, citou e-mails empregados do Google discutindo sobre sites que estavam crescendo em tráfego. Segundo o democrata, os empregados "temiam que a competição vinda de certos sites pudessem reduzir a receita da empresa" e consideraram reduzir sua presença nos resultados da busca da empresa.
Com presença mais discreta, Tim Cook, da Apple, respondeu a questões sobre o poder da App Store, loja de aplicativos do iPhone - que cobra de alguns aplicativos comissão de até 30% sobre os pagamentos feitos por usuários. Na sessão, Cook ressaltou que a empresa veta apps para cuidar da privacidade e segurança de usuários.
Empresas chinesas, como Tencent e Alibaba, também foram citadas nos depoimentos. Quem levantou a bola foi Zuckerberg, que hoje disputa espaço com o app chinês TikTok. O líder do Facebook defendeu que regular empresas americanas daria fôlego às rivais chinesas, que não se pautam por valores "americanos", como democracia, livre concorrência e liberdade de expressão.
Os executivos também tiveram de falar hidroxicloroquina. Greg Steube, da Flórida, reclamou de não poder ver um vídeo sobre médicos falando que a hidroxicloroquina seria um tratamento válido para o coronavírus. Sundar Pichai disse que o YouTube segue orientações das autoridades de saúde para remover conteúdo que pode causar danos a quem assisti-lo, já que não há comprovação de que o medicamento tem eficiência contra a covid-19.
Já Jim Jordan, de Ohio, chegou a fazer Pichai prometer que não vai favorecer o democrata Joe Biden contra o candidato de seu partido, Donald Trump. Na sequência, a deputada democrata Mary Gay Scanlon, da Pensilvânia, disse que iria voltar ao debate econômico e não de "teorias conspiratórias".
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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