SÃO PAULO - Mais de um ano depois da aprovação da Lei do Superendividamento, um decreto federal publicado no Diário Oficial da União desta quarta (27) regulamenta as regras para considerar um cidadão superendividado e define valor mínimo existencial que não pode ser comprometido com dívidas.
Segundo a publicação, o mínimo existencial é de 25% do salário mínimo, o que dá R$ 303 neste ano. A regulamentação divide especialistas. De um lado está quem acredita que a lei, agora, possa ser aplicada na prática. De outro, os que veem a medida como uma possibilidade de comprometimento ainda maior da renda da população, o que poderá ampliar o endividamento.
Segundo o decreto, o superendividamento é a situação na qual o consumidor não consegue pagar as suas dívidas sem comprometer o mínimo existencial.
Ao subtrair o total das dívidas da renda recebida mensalmente, é preciso que reste ao cidadão, no mínimo, R$ 303 para viver. Caso contrário, ele é considerado superendividado. A medida entrará em vigor em 60 dias após a publicação, ou seja, no final de setembro.
Segundo as normas, para calcular o endividamento do consumidor, ficam de fora: Financiamento imobiliário; Parcela de empréstimos e financiamentos com garantias reais; Contratos de crédito garantidos por meio de fiança ou com aval; Crédito rural; Empréstimo para financiamento da atividade empreendedora ou produtiva; Dívidas anteriormente renegociadas; Impostos e despesas de condomínios vinculadas a imóveis e móveis de propriedade do consumidor; Dívida de crédito consignado, entre outras.
Para Guilherme Farid, diretor-executivo do Procon-SP (Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor de São Paulo), do ponto de vista técnico, o decreto resolve uma lacuna trazida pela Lei do Superendividamento. Como não havia regras, não ocorria a aplicabilidade da medida na prática.
"Esse conceito [de superendividamento] não está ligado ao salário da pessoa, ou seja, não importa o salário e sua realidade financeira. O que a lei diz é que tem que sobrar líquido R$ 303. Se sobrar menos, pelo conceito legal, você é considerado superendividado. Se sobrarem R$ 304, por exemplo, é endividado", diz.
A nova regra é contestada pelo Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor). Para o instituto, as definições trazidas pelo decreto fazem com que bancos e financeiras possam utilizar quase toda a renda do consumidor para o pagamento de dívidas e juros, sobrando apenas R$ 303 para os gastos essenciais.
O órgão, que participou dos debates sobre a Lei do Superendividamento de 2021, entende que definir um teto fixo para o mínimo existencial prejudica o atendimento das pessoas endividadas de uma forma geral.
O instituto chegou a propor à Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor) que fosse definido um índice "capaz de mensurar as principais variáveis que afetam as condições de sobrevivência das pessoas, como gastos com habitação, saúde, alimentação, transporte, educação, entre outros".
Em nota, a Febraban (Federação Brasileira de Bancos) afirma que o decreto 11.150/22 "trouxe definições importantes e necessárias para a implementação da Lei do Superendividamento". Para a entidade, ter um mínimo existencial igual para todos os brasileiros traz segurança jurídica.
A federação diz ainda que a renegociação de dívidas faz parte do cotidiano dos bancos, feita por meio de vários canais de atendimento. Dados do órgão mostram que, de março a dezembro de 2020, o setor renegociou cerca de 17 milhões de contratos de forma voluntária.
O brasileiro vê a inadimplência crescer como resultado da inflação em alta, os juros em patamares elevados e o desemprego que atinge mais de 10 milhões de trabalhadores.
Levantamento do SPC Brasil (Serviço de Proteção ao Crédito) e da CNDL (Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas) mostra que, em junho, quatro em cada dez brasileiros adultos (38,87%) estavam com o nome sujo, o que equivale a 62,73 milhões de pessoas.
O total representa aumento de 6,54% em relação ao mesmo período do ano anterior.
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