Para aumentar os repasses ao Bolsa Família, o governo federal estuda mudanças nas regras do seguro-defeso, auxílio pago ao pescador artesanal durante o período em que ele fica impedido de exercer a atividade por causa da preservação das espécies.
O Ministério da Economia quer reduzir despesas ao transformar esse seguro num benefício condicionado à renda da família.
A ideia é que o seguro deixe de ter caráter unicamente trabalhista e passe a ser um programa de transferência de renda para os pescadores mais dependentes da atividade. Outro critério em avaliação é a exigência de prestação de serviço de conservação ambiental.
Hoje, o benefício equivale a um salário mínimo (R$ 1.045) por mês durante o período de pesca proibida. O gasto anual do governo é de aproximadamente R$ 2,5 bilhões.
O valor do benefício, segundo os estudos, poderá variar de acordo com a dependência em relação ao dinheiro obtido na pesca e com a renda per capita (que considera o número de membros da família).
Uma possibilidade levantada é que, para receber o seguro-defeso, o pescador se enquadre nas mesmas condições do Bolsa Família: situação de extrema pobreza, com renda per capita de até R$ 89 mensais, e de pobreza, com renda de R$ 89,01 a R$ 178 por mês.
Cálculos preliminares de técnicos da Economia indicam que, com o endurecimento nas regras e um pente-fino nos benefícios, o governo cortaria até R$ 2 bilhões por ano no auxílio a pescadores artesanais.
Desde que assumiu o cargo, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) tem investido no combate a irregularidades nessa assistência financeira temporária e também quer taxar o seguro-defeso.
A cobrança de 7,5% sobre o auxílio é a mesma a ser aplicada sobre o seguro-desemprego (pago a quem perdeu trabalho formal). As medidas precisam de aval do Congresso e foram adotadas para bancar o contrato Verde e Amarelo, que reduz encargos de empresas visando estimular a geração de novas vagas.
Apesar de ser um gasto pequeno em relação, por exemplo, ao orçamento da Previdência dos trabalhadores privados, de quase R$ 680 bilhões neste ano, o auxílio a pescadores entrou na mira da equipe econômica por causa das dificuldades financeiras.
O Orçamento de 2020 está apertado e o Bolsa Família é um dos maiores exemplos. O programa que visa proteger a população mais carente tem uma verba de R$ 29,5 bilhões. Só que no ano passado, quando já houve redução da cobertura e o ressurgimento da fila de espera, os gastos somaram R$ 32,5 bilhões.
Sem um aumento nos repasses ao Bolsa Família, o governo do presidente Jair Bolsonaro deverá ter ?mais uma vez? dificuldades para honrar com os pagamentos de quem já está no programa de transferência de renda.
No fim de dezembro, foi necessário cortar o orçamento de outras áreas para conseguir pagar a 13ª parcela do Bolsa Família, prometida pelo presidente desde a campanha.
A Previdência foi um dos setores afetados, já que o governo economizou dinheiro por causa de outra fila: a espera por aposentadorias e demais benefícios do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social).
Diante do aperto nas contas do Bolsa Família para 2020, a equipe dos ministros Paulo Guedes (Economia) e Osmar Terra (Cidadania) buscam formas de elevar a verba.
Esse debate se arrasta desde o ano passado, junto com a reformulação do programa. Mas os ministérios não conseguem chegar a um consenso e, além disso, estudam medidas impopulares no Congresso.
Mudanças no seguro-defeso, por exemplo, já foram rejeitadas pelo Congresso em outros governos.
A gestão Bolsonaro já defendeu também regras mais rígidas para o abono salarial como forma de aumentar o orçamento do Bolsa Família. O abono é uma espécie de 14º salário pago pelo governo a trabalhadores formais de baixa renda.
No entanto, o Congresso derrubou, no ano passado, proposta de Guedes para cortar as despesas com o abono salarial, limitando a faixa de trabalhadores que teriam direito ao benefício.
A equipe de Guedes argumenta que o gasto com abono, cujo orçamento é de R$ 20 bilhões, poderia ser aplicado em programas mais eficientes no combate à pobreza, como o Bolsa Família.
Outra forma de tentar bancar uma ampliação do Bolsa Família é enviar ao Congresso proposta que acaba com a isenção de impostos da cesta básica. Como compensação aos mais pobres, os inscritos no programa de transferência de renda receberiam um valor extra ?próximo de R$ 24.
Técnicos dizem que, na prática, todas as classes usufruem da isenção da cesta existente hoje. Em vez disso, a ideia é que somente os mais pobres contem com os benefícios.
Ainda não há previsão para que Bolsonaro apresente a reformulação do Bolsa Família.
O Ministério da Cidadania insiste num aumento de R$ 10 bilhões na verba do programa, o que abriria espaço para uma ampliação da cobertura.
Mas o time de Guedes, até o momento, sustenta que o repasse seja entre R$ 2 bilhões e R$ 4 bilhões.
Com isso, o programa praticamente iria repetir os pagamentos do ano passado, reduzindo a expectativa de quem pediu o benefício e ainda aguarda uma resposta. A fila de espera está próxima de 1 milhão de famílias.
Renilson da Costa, 32, tem dois filhos ?Lara, 5, e Jeremias, 1?, mas não consegue entrar no programa. Ele e a esposa, Francelia, 22, apresentaram o pedido em maio do ano passado.
A partir de junho, o governo criou uma forte barreira a novos beneficiários por causa da falta de verba para o Bolsa Família. Em Belágua (MA), um dos municípios mais pobres do país e onde Renilson mora, nenhuma família passou a ser atendida desde então.
Atualmente, a única renda da família vem da comércio de farinha de mandioca produzida por eles mesmos. Renilson carrega a mercadoria, por uma hora, numa bicicleta até chegar na região onde o saco de 32 kg é comprado por até R$ 50. "Espero que algum dia saia [a liberação do Bolsa Família]", disse.
O governo diz que a liberação de novos benefícios é feita por um sistema automatizado e que funciona de acordo com os recursos financeiros disponíveis. Mais dinheiro, maior a cobertura.
No caso do Bolsa Família, quando o benefício é concedido, o pagamento não é retroativo à data do requerimento. Os meses de espera, portanto, não serão compensados às famílias da fila de espera.
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