Depois de ser duramente criticado por 29 instituições financeiras internacionais, que alertaram o governo Bolsonaro sobre suas falhas no combate ao desmatamento e os riscos de começarem a desinvestir no País, o governo decidiu enviar uma resposta direta aos bancos.
O Estadão apurou que os ministérios do Meio Ambiente, Agricultura, Defesa, Justiça e Itamaraty já se reuniram para levantar dados de cada pasta e, a partir dessas informações, consolidar uma carta de resposta aos investidores. Uma reunião está prevista para a próxima semana, para que cada ministério apresente seus dados sobre o assunto. Na semana seguinte, um posicionamento oficial do governo será encaminhado aos investidores internacional.
Há duas semanas, uma carta assinada por 29 instituições financeiras que gerenciam mais de US$ 3,7 trilhões em ativos foi entregue ao governo Bolsonaro. No documento, os bancos alertaram que o governo brasileiro precisa frear o desmatamento na Amazônia, sob risco de alimentar uma incerteza generalizada sobre as condições para investir ou fornecer serviços financeiros ao Brasil.
"Como instituições financeiras, que têm o dever fiduciário de agir no melhor interesse de longo prazo de nossos beneficiários, reconhecemos o papel crucial que as florestas tropicais desempenham no combate às mudanças climáticas, protegendo a biodiversidade e assegurando serviços ecossistêmicos", afirmaram as instituições na carta que inclui, entre seus signatários, o Legal & General Investment Management e a Sumitomo Mitsui Trust Asset Management.
Os bancos foram ainda mais diretos e declararam que é provável que os títulos soberanos brasileiros sejam considerados de alto risco se o desmatamento continuar. Dado o aumento das taxas de desmatamento, estamos preocupados com o fato de as empresas expostas a desmatamento potencial em suas operações e cadeias de suprimentos no Brasil enfrentarem uma dificuldade crescente de acessar os mercados internacionais.
A resposta brasileira à carta já foi discutida esta semana entre os ministros do Meio Ambiente, Ricardo Salles, da Agricultura, Tereza Cristina, e das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. O governo pretende demonstrar que não estaria parado no combate ao desmatamento e que tem agido para conter a derrubada da floresta. A avaliação da cúpula do governo é de que há falta de entendimento e de informação sobre o assunto e as ações que estão em andamento.
Nesta quinta-feira (2), em encontro da cúpula do Mercosul, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que buscará um esforço para "desfazer opiniões distorcidas" sobre a política ambiental do Brasil no exterior. "Nosso governo dará prosseguimento ao diálogo com diferentes interlocutores para desfazer opiniões distorcidas sobre o Brasil e expor as ações que temos tomado em favor da proteção da floresta amazônica e do bem estar das populações indígenas", disse Bolsonaro no encontro, por videoconferência.
Seja qual for o teor da carta que será apresentada pelo governo brasileiro aos bancos, o fato é que o desmatamento na Amazônia avança a passos largos neste ano e já supera com folga o ano passado, quando o assunto ganhou repercussão internacional. É o que mostram os dados captados pelo Sistema de Detecção do Desmatamento na Amazônia Legal em Tempo Real (Deter), ferramenta do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), órgão ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia.
O calendário do Inpe mede o desmatamento verificado entre agosto e julho do ano seguinte. As informações mais recentes divulgados pelo órgão - com dados atualizados até 18 junho, portanto, ainda parciais - mostram que já foram desmatados 7.115 km² de floresta na temporada agosto de 2019 a julho/2020, quase cinco vezes o tamanho da capital de São Paulo. Embora o ciclo ainda não tenha se fechado, faltando 43 dias para a contabilização final, ele já supera o verificado no ano passado, quando os alertas do Deter registraram 6.844 km².
Na quarta-feira (2), reportagem do Estadão mostrou que o Brasil fechou o mês de junho com o maior número de focos de queimadas na Amazônia dos últimos 13 anos. Foram registrados 2.248 focos de calor neste último mês na região, um volume que não era atingido desde 2007 e que representa um aumento de 19,57% em relação ao registrado em junho de 2019, quando 1.880 focos foram detectados.
Uma das principais mensagens que o governo pretende dar aos investidores é de que criou um grupo específico para combater a ação de grileiros e desmatadores da floresta que atuam em terras indígenas e áreas preservadas. Desde maio, o controle do desmatamento saiu do Ministério do Meio Ambiente e migrou para o chamado Conselho Nacional da Amazônia, liderado pelo vice-presidente Hamilton Mourão. Numa tentativa de dar uma resposta à situação, o governo iniciou a operação militar "Verde Brasil 2".
Os resultados da iniciativa, porém, como revelou o Estadão, têm sido inflados com operações de combate ao desmatamento que não tiveram nenhuma ligação com o apoio militar.
O emprego das Forças Armadas na floresta gerou um custo mensal de R$ 60 milhões, quase 80% do orçamento anual de fiscalização do Ibama, mas a resposta aos altos índices de desmatamento não chegou.
Dentro do Brasil, os bancos também reagiram sobre a situação. O assunto foi comentado por presidentes dos bancos brasileiros. O presidente do Itaú Unibanco, Candido Bracher, disse que o tema é o principal "perigo" que ameaça o Brasil. O presidente do Bradesco, Octavio de Lazari, destacou que todo mundo falava de sustentabilidade, mas que, de fato, nós temos de reconhecer que fizemos muito pouco em relação a isso.
Desde o início do governo, a gestão Bolsonaro enfrenta dificuldades em reverter a imagem negativa que nutriu em relação ao meio ambiente. Ricardo Salles passou a atacar instituições internacionais que financiavam programas de combate ao desmatamento no País, rompendo com programas financiados pela Noruega e Alemanha, como o Fundo Amazônia.
O presidente Bolsonaro também saiu em ataque aos países europeus e organizações socioambientais, sob o argumento de que teriam interesse em prejudicar a imagem do Brasil por causa de seu potencial econômico, principalmente no agronegócio. Recentemente, foram os produtores rurais, no entanto, que se voltaram contra a política ambiental do governo, devido ao risco de terem suas exportações cortadas por outros países.
Notou alguma informação incorreta no conteúdo de A Gazeta? Nos ajude a corrigir o mais rapido possível! Clique no botão ao lado e envie sua mensagem
Envie sua sugestão, comentário ou crítica diretamente aos editores de A Gazeta