A Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) elegeu o setor de leite para as primeiras investigações sobre possível aumento abusivo de preços dos alimentos após o início das medidas de isolamento para enfrentar a pandemia do coronavírus.
O órgão, que é ligado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, negocia um convênio com a Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz), da USP, para ajudar a mapear a cadeia do produto e investigar aumentos.
A opção pelo leite foi baseada em denúncia de supermercados. Dados do Cepea (Centro de Pesquisa Econômica Aplicada), da Esalq, mostram que o aumento da procura elevou em 24,7% o preço médio pago ao produtor do leite longa vida em março.
Redes varejistas, porém, acusam fornecedores de promover aumentos de até 50% e de dificuldade na reposição de estoques após corrida dos consumidores a supermercados no início do isolamento.
O repasse às gôndolas, segundo o IBGE, ainda não foi tão elevado. Em março, o preço do leite longa vida no varejo subiu 1,75%. Ainda assim, foi uma das principais influências na alta da inflação dos alimentos no mês.
Levantamento da consultoria Nielsen aponta que o faturamento de supermercados com vendas de leite cresceu 71,6% na terceira semana de março, quando as restrições à circulação de pessoas começavam a ser adotadas no país.
O segmento tem enfrentado problemas diferentes no mundo. Grandes exportadores e mais dependentes das vendas de restaurantes e lanchonetes, os produtores de Estados Unidos e Canadá decidiram descartar parte da produção por falta de compradores.
"As dramáticas mudanças na demanda e os desafios relacionados a toda a cadeia de suprimentos resultaram na necessidade de descarte de leite cru, medida extremamente triste e difícil", disse, em nota a Associação dos Processadores de Leite do Canadá.
O secretário da Senacon, Luciano Timm, disse à reportagem que o mercado de leite foi o primeiro denunciado em convênio com a Abras (Associação Brasileira dos Supermercados) para investigar práticas abusivas no setor de alimentos durante a pandemia.
Em caso de identificação de aumentos não justificados, a Senacon pode abrir processos administrativos com pena de multa de até R$ 9,9 milhões, dependendo do faturamento da empresa.
O segundo alvo, afirma Timm, deve ser o feijão, essencial na mesa do brasileiro e também um dos focos de denúncias. Segundo levantamento da Cogo Inteligência em Agronegócio, o preço do produto no atacado subiu 71,1% em 30 dias.
Nas gôndolas, segundo o IBGE, o preço do feijão-fradinho subiu 6,52% em março. Já o mulatinho teve alta de 5,86%. O feijão-preto aumentou 1,24%, e o carioca ficou 1,29% mais barato.
Timm diz que as investigações da Senacon estão relacionadas às leis de defesa do consumidor. Também ligado ao Ministério da Justiça, o Cade (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada) está apurando eventuais situações de abuso de poder econômico. Nesse caso, porém, as investigações são sigilosas.
A alta dos preços dos alimentos ocorre em um momento de perda de renda da população, diante do desemprego ou da falta de oportunidades para trabalhadores autônomos e informais.
Timm alega que a Senacon começou a atuar primeiro em itens de primeira necessidade na área de saúde, como máscaras e álcool em gel, e por isso só agora dará início a investigações sobre alimentos.
"A gente tem que usar uma lógica, que está na Constituição, de eficiência na administração pública", diz. "Partimos do que é urgente: primeiro álcool em gel, depois alimentos."
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