BRASÍLIA - Na tentativa de construir apoio para levar à aprovação de propostas -às vezes amargas - defendidas pela equipe econômica, o ministro Paulo Guedes (Economia) desenvolveu o hábito de criar narrativas, com discursos que são repetidos meses a fio, até que consiga atingir seu objetivo.
Além das já conhecidas metáforas usadas para ilustrar a economia do país, o ministro elabora argumentos e frases de efeito que visam a direcionar opiniões, suavizar críticas a respeito de propostas ou agradar parlamentares.
Recentemente, por exemplo, Guedes confidenciou a auxiliares que não acreditava que o Congresso era reformista. Segundo relatos, logo no início do governo, ele teve a ideia de criar essa espécie de selo para qualificar os deputados e senadores, apesar de achar que o Parlamento não tinha nada de reformista.
Segundo interlocutores, Guedes conversou em 2019 com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e defendeu que os parlamentares avençassem com as pautas econômicas mesmo se não houvesse apoio explícito de Jair Bolsonaro (sem partido). Ele sugeriu que o deputado argumentasse que o Congresso é reformista e que apoiaria as medidas mesmo que o presidente não quisesse.
Maia usou algumas vezes a expressão, que também foi vocalizada sucessivamente até os dias atuais por Guedes.
Após insistente repetição, o ministro afirmou a um auxiliar que acredita que a ideia acabou colando.
Nos últimos meses, no entanto, a agenda de reformas travou no Congresso. Após forte expansão de gastos para mitigar os efeitos da pandemia, a equipe econômica tenta retomar a pauta de medidas estruturantes e de ajuste fiscal.
O saldo recente do Legislativo, porém, tem a aprovação apenas de medidas menos polêmicas, como marcos legais para atrair investimentos. Propostas consideradas mais importantes pelo governo, como o pacto federativo e as reformas tributária e administrativa, não avançaram.
Ainda assim, Guedes acredita na efetividade do método da repetição. A avaliação é que ele deve ser usado como forma de influenciar opiniões, seja dos parlamentares ou da sociedade.
Uma estratégia que considera bem-sucedida foi dizer que o socorro financeiro dado pelo governo federal aos estados neste ano não poderia ser "transformado em aumento permanente de salários". Guedes justificava que não seria justo "distribuir medalhas antes da guerra".
O ministro insistiu no argumento em apresentações, reuniões no Palácio do Planalto e conversas com parlamentares, até que conseguiu inserir na proposta uma cláusula para congelar a remuneração de servidores públicos até o fim de 2021.
Apesar do argumento relacionado à pandemia, travar os gastos do governo com salários de servidores já estava nos planos do ministro desde o início do governo. Segundo relatos, ele tentou implementar a ideia em outras situações, mas só encontrou a oportunidade concreta quando surgiu o projeto de auxílio a estados.
A batalha da narrativa ganhou outras frases que ainda não atingiram o objetivo e, portanto, seguem no processo de repetição.
Para convencer o Congresso a retirar amarras do Orçamento e desvincular benefícios, Guedes afirma que é preciso devolver o protagonismo à classe política.
"Vocês têm que assumir esse protagonismo, não têm que vir lá de baixo para pedir dinheiro para o ministro, vocês têm que controlar os orçamentos públicos", disse a parlamentares durante audiência no Senado em março de 2019.
O argumento é repetido pelo ministro ainda hoje, mas as propostas do governo que retirariam parcialmente as amarras do Orçamento seguem travadas no Congresso.
Em outro pilar da pauta econômica, Guedes tenta tornar mais palatável a ideia de criar um imposto sobre transações financeiras aos moldes da extinta CPMF.
Primeiro, ele cunhou a expressão "microimposto digital". Depois, apelidou de "digitax" o tributo que deseja criar para bancar uma ampla desoneração da folha de salários.
Na tentativa de criar um ambiente favorável à medida, o ministro tem afirmado que não haverá aumento de imposto, e sim uma substituição de tributos existentes hoje. Ele orientou que Bolsonaro também use esse argumento. Originalmente, o presidente é contra a proposta.
Sobre a medida, Guedes afirma que o novo imposto é "menos pior" que os atuais encargos trabalhistas. Ele também repete desde o início do governo que os impostos sobre salários são uma "arma de destruição de empregos".
Na área social, uma das frases usadas pelo ministro ao longo do ano acabou adaptada porque o governo fracassou em criar um programa para substituir o Bolsa Família.
Durante a vigência do auxílio emergencial, Guedes passou a dizer que seria criado um novo programa social, batizado de Renda Brasil, que seria mais amplo, para viabilizar um "pouso suave" um "local de aterrissagem" do auxílio pago a informais.
"Podemos juntar 27 programas sociais, dar uma calibragem adicional para que seja um pouso suave, um local de aterrissagem do auxílio emergencial", declarou Guedes em setembro.
Após divergências entre Bolsonaro e a equipe econômica sobre a forma de financiamento do novo programa, o Renda Brasil acabou engavetado. A vigência do auxílio emergencial acaba neste mês e será retomado o Bolsa Família, que tem valor mais baixo e número menor de beneficiários.
Com o revés, o discurso de Guedes foi ajustado. Agora, ele diz que o pouso suave, na verdade, foi a redução da parcela do auxílio emergencial e a volta, em 2021, ao Bolsa Família e a outros programas assistenciais já existentes.
"Chega ao fim em 31 de dezembro o auxílio emergencial, fizemos uma aterrisagem gradual. Saímos de R$ 600 iniciais, renovados por mais três meses, depois descemos para R$ 300 e agora no final do ano, a economia voltando em 'V', os empregos sendo adaptados... E quero deixar um aviso: Embora a concessão [do auxílio] termine em 31 de dezembro, há ainda um mês e meio a dois meses de cobertura", disse em audiência no Congresso no dia 11 dezembro.
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