Sob a justificativa de que o Brasil é um país "carimbador", o ministro Paulo Guedes (Economia) afirmou nesta quarta-feira (14) que parte da receita obtida pelo governo com o fim da isenção sobre dividendos será usada para financiar a ampliação do programa Bolsa Família.
No dia seguinte à apresentação de nova versão da reforma do IR (Imposto de Renda) com uma previsão de rombo anual que pode chegar a R$ 30 bilhões para as contas públicas, Guedes também disse que prefere correr o risco de cometer erros para o lado da redução de carga tributária do que errar com aumento de impostos.
Em live promovida pelo jornal Valor Econômico, o ministro explicou que mesmo com resultado negativo para as contas públicas, o projeto de reforma abre margem jurídica para o financiamento do novo programa social do governo.
Apesar de defender a retirada de amarras do Orçamento, Guedes afirmou que a legislação obriga o governo a fazer uma espécie de triangulação e criar esses carimbos. Segundo ele, a estratégia será usada porque não é permitido usar o aumento de arrecadação de impostos para ampliação direta do Bolsa Família.
"Ali na frente, você vai ter que dizer que esses R$ 100 bilhões de aumento de arrecadação [no primeiro semestre] financiaram a redução do IR. E vai ter que carimbar aquele dinheiro do dividendo, que você tributou, falar que isso vai financiar o Bolsa Família. Aí vão dizer que pode, sem ferir a Lei de Responsabilidade Fiscal, dentro do teto, tudo certinho. É simplesmente um requisito jurídico", disse.
De acordo com o ministro, o Bolsa Família deve ter Orçamento ampliado em 2023 dos atuais R$ 35 bilhões para pelo menos R$ 50 bilhões.
"[A tributação de dividendos é uma] fonte muito bem-vinda do ponto de vista de justiça social. Taxar os super-ricos e financiar a redução de imposto para os assalariados e fortalecimento do Bolsa Família", afirmou.
Guedes ressaltou que essa margem aberta é uma consequência da reforma tributária e não foi criada intencionalmente para isso. "Ninguém aumentou tributação de dividendos para dar para o Bolsa Família".
De acordo com o ministro, a Receita Federal foi excessivamente conservadora ao elaborar a versão inicial do projeto enviado ao Congresso, com proposta de reduzir o IR de empresas em 5 pontos percentuais. Para ele, o patamar não seria suficiente para compensar o fim da isenção da distribuição de dividendos, com instituição de alíquota de 20% sobre essas operações.
"Erramos na dose, o importante é reconhecer o erro e recuar", disse. "Como liberais, nós preferimos correr o risco de errar pelo lado de redução de carga do que errar para o lado de aumento de carga tributária".
O ministro afirmou que gostaria que o resultado final da reforma fosse neutro. Ele ponderou que diante da retomada do PIB (Produto Interno Bruto) e forte alta na arrecadação, o governo tem segurança de que será possível promover o corte dos impostos.
O parecer do deputado Celso Sabino (PSDB-PA) intensificou a redução do IR sobre empresas. Ele alterou a proposta inicial do governo, que previa baixa da alíquota base de 15% para 10%, passando a estabelecer um corte de 15% para 2,5% até 2023.
"Isso [resultado negativo de R$ 30 bilhões] não está nos preocupando muito agora porque só de o PIB voltar para o nível de antes da pandemia, já veio uma arrecadação R$ 100 bilhões acima do previsto no semestre. Esse aumento de arrecadação é estrutural, mesmo se o PIB crescer zero a partir de agora, só essa volta [da arrecadação até agora] já significa um aumento de R$ 100 bilhões acima do previsto. Então, se errarmos os R$ 30 bilhões na reforma, já está pago", disse.
Na terça-feira (13), o relator afirmou que além da alta de arrecadação até agora, o governo também confia que a reforma vai melhorar o ambiente de negócios no país, o que gradualmente levará a um crescimento mais forte das empresas e, consequentemente, a um aumento de receitas do governo.
De acordo com Guedes, as mudanças no texto da reforma são uma resposta às reclamações feitas por empresários.
A nova versão do texto colocou em alerta membros do Ministério da Economia, que veem com preocupação a proposta de perda de receita em momento em que o governo tenta retomar medidas de consolidação fiscal.
Em junho, Guedes já havia afirmado que pretendia pegar a alta recente de arrecadação e transferir diretamente para uma redução direta de impostos.
A ideia foi criticada por especialistas pelo potencial de criar descontrole nas contas públicas ao contar com uma alta pontual de receitas para gerar um custo contínuo e permanente.
Outro argumento é que em momentos de retomada do PIB, a arrecadação cresce em ritmo mais intenso. Isso ocorrerá no sentido inverso quando a economia recuar, com perda mais forte nas receitas.
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