Em reunião que terminou sem consenso na tarde desta segunda-feira (24), o ministro Paulo Guedes (Economia) avisou ao presidente Jair Bolsonaro que o novo programa social do governo só terá benefício médio superior a R$ 300 se as deduções do IR (Imposto de Renda) da pessoa física forem extintas.
Para a reformulação do Bolsa Família, que passará a se chamar Renda Brasil, Guedes apresentou propostas de parcelas entre R$ 240 e R$ 270, a depender do desenho da assistência e da extinção de outros programas. Bolsonaro pressiona para que o valor chegue a pelo menos R$ 300.
Segundo relatos feitos à reportagem, o desenho elaborado pelos ministérios da Economia e da Cidadania prevê reformulação ou extinção de até 27 programas e benefícios da área social para criar o Renda Brasil. Mesmo no cenário mais amplo, o novo benefício não chegaria a R$ 300. Hoje, o valor mensal médio do Bolsa Família é de R$ 190.
O aumento de custo não se dará apenas por conta de uma parcela mais alta da assistência. A equipe econômica faz cálculos para que o novo programa alcance entre 6 milhões e 8 milhões de pessoas a mais do que o número de atendidos pelo Bolsa Família, hoje em cerca de 14 milhões.
Diante do pedido de Bolsonaro, Guedes afirmou na reunião que a alternativa será o corte das deduções médicas e de educação do IR. A avaliação é que essa renúncia de receitas do governo beneficia, em sua maior parcela, famílias de renda média e alta.
De acordo com uma pessoa que estava na reunião, Guedes afirmou ter levado opções para custear o programa e ressaltou que o presidente teria que fazer escolhas - quanto mais programas revisados ou extintos, mais robusto ficaria o Renda Brasil.
Bolsonaro não respondeu prontamente sobre a proposta de eliminar as deduções do IR e teria afirmado que essa opção poderia ser "muito ruim". A medida pode gerar desgaste político. Guedes então respondeu que, sem esse artifício, não haveria recursos para aumentar o programa social.
Na mesma reunião, como revelou a Folha de S.Paulo na segunda-feira (24), Bolsonaro e Guedes discordaram também sobre o auxílio-emergencial. O ministro sugeriu um valor de R$ 270 até dezembro, mas o presidente defendeu uma quantia de pelo menos R$ 300.
Segundo relatos de presentes, Guedes disse que irá avaliar se há espaço fiscal para o valor e ressaltou que dará uma resposta até o final da semana. A tendência, segundo assessores presidenciais, é de que o ministro ceda ao pedido.
Em conversa nesta terça-feira (25) com líderes do governo, no Palácio do Planalto, Bolsonaro disse que a a ideia é nivelar o valor do auxílio-emergencial com o do Renda Brasil, em R$ 300.
O primeiro seria pago até dezembro e o segundo, caso aprovado a tempo pelo Congresso, começaria a ser concedido em janeiro. A ideia do presidente é, assim, igualar as duas iniciativas para que não tenha descontinuidade nos benefícios.
Segundo interlocutores, o ministro afirmou ao presidente que a extinção das deduções pode gerar uma economia anual de R$ 42 bilhões aos cofres públicos.
Estudos do Ministério da Economia mostram que as deduções médicas custaram ao governo R$ 15 bilhões em 2017, dado mais recente disponibilizado. A regra das deduções com educação, por sua vez, gerou uma renúncia de arrecadação de R$ 4,2 bilhões em 2019.
Na defesa do fim do benefício, os estudos da pasta apontam que entre 70% e 80% desses recursos acaba nas mãos da fatia mais rica da população. Menos de 10% são direcionados aos mais pobres.
O subsídio ao IR é autorizado pela legislação, que prevê a possibilidade de pessoas físicas deduzirem da base de cálculo do imposto os pagamentos (sem qualquer limite) efetuados, por exemplo, a médicos, dentistas e psicólogos, além de despesas com exames laboratoriais.
No caso de educação, as deduções são limitadas a R$ 3.561,50. Entram na conta despesas como educação infantil, ensino fundamental e médio, graduação, mestrado e doutorado.
A equipe econômica justifica que o país precisará reforçar o atendimento às pessoas de baixa renda após a pandemia do novo coronavírus.
Sob o argumento de que o governo não tem dinheiro para simplesmente ampliar o programa social sem contrapartidas, Guedes sugere a focalização de ações consideradas ineficientes e distorcidas.
Na lista de programas que podem ser extintos para a criação do Renda Brasil, estão o abono salarial e o programa farmácia popular, que, na avaliação da equipe econômica, também direcionam recursos para parcelas da população que estão acima da linha da pobreza.
Outro alvo é o seguro defeso, pago a pescadores durante o período de reprodução das espécies, quando essas pessoas ficam impedidas de trabalhar. Nesse caso, a avaliação é que o programa é repleto de fraudes, com milhares de pessoas recebendo o benefício sem de fato atuarem nessa área.
A dificuldade em fechar o valor foi um dos motivos que levaram Bolsonaro a adiar o anúncio de medidas econômicas e sociais previsto inicialmente para esta terça-feira (25).
Outro problema na definição do valor do Renda Brasil envolve o teto de gastos, regra que limita o crescimento das despesas públicas à variação da inflação.
Ao eliminar programas como o abono salarial ou o seguro-defeso, o governo liberaria o espaço hoje ocupado por essas ações no teto de gastos e, com isso, poderia direcionar os recursos ao novo programa social.
A restrição está nas deduções do Imposto de Renda. Como não são efetivamente um gasto do governo, mas sim uma renúncia de receita, elas hoje não ocupam espaço no teto. Portanto, o fim desse incentivo não abriria margem na regra e ainda seria necessário remanejar recursos de outras áreas.
A solução mais adequada para a questão, segundo Guedes, é a aprovação de uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que tramita no Congresso e que estabelece gatilhos de ajuste fiscal, como suspensão de concursos públicos e corte temporário de salário de servidores.
A indefinição no programa social também deixa em aberto a prorrogação do auxílio emergencial pago a informais durante a pandemia. Guedes defende que o valor da assistência fique próximo ao do Renda Brasil para que haja uma sensação de transição entre os dois programas.
Após a reunião com Bolsonaro, o ministro relatou a auxiliares ter cumprido seu papel de fazer as contas e apresentar as opções, mas ressaltou que agora cabe uma decisão política do presidente sobre o tema.
A decisão final também deve passar por consultas a lideranças partidárias para medir o risco de as propostas não prosperarem no Congresso. Em episódios anteriores, tentativas do governo de revisar programas sociais foram rejeitadas pelo Legislativo.
Na formulação do Renda Brasil, o ministro também chegou a prever que parte do programa seria alimentado com recursos do novo imposto sobre transações aos moldes da extinta CPMF a ser proposto dentro da reforma tributária.
A proposta acabou descartada por receio de que a ideia fosse interpretada como um aumento de impostos para bancar novos gastos. Agora, Guedes quer usar esses recursos apenas para eliminar outros tributos -reduzir encargos trabalhistas e ampliar a faixa de isenção do Imposto de Renda.
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