Além da resistência de empresários e congressistas contra a reforma do Imposto de Renda (IR) proposta pelo governo federal, o ministro da Economia, Paulo Guedes, está lidando com uma espécie de rebelião dentro da própria pasta.
Após o envio do texto ao Congresso, o clima de insatisfação se espalhou entre secretarias e o entorno do ministro. Membros da pasta afirmam que a reforma foi capturada pela Receita Federal, que não deu margem para participação e sugestões de outras áreas do ministério.
A avaliação desse grupo é que a reforma aumenta a tributação, é injusta com as empresas e amplia a burocracia do sistema.
Guedes sabe das insatisfações e ouviu reclamações diretamente de auxiliares. O ministro, que já reconheceu ter calibrado mal alíquotas da reforma, tenta reduzir as resistências internas e ainda segue atuando em defesa do texto.
De acordo com uma pessoa próxima a Guedes, o agendamento de conversas do ministro em São Paulo com grandes empresários é uma tentativa de convencê-lo a dar um passo atrás e ganhar tempo para reavaliar a medida com cautela.
Nesta quinta-feira (8), o ministro se reuniu com representantes de incorporadoras imobiliárias e almoçou com nomes de peso do setor produtivo.
Na quarta-feira (7), um grupo de 120 entidades empresariais já havia enviado uma carta ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), com uma lista de críticas à reforma. As reclamações encontram eco dentro do ministério.
Sob condição de anonimato, uma fonte da pasta que participa das discussões sobre a reforma tributária afirma que a proposta enviada ao Congresso não é do ministério como um todo, mas apenas da Receita, que comandou todo o processo.
Normalmente, quando uma medida é elaborada, o texto circula por diversas áreas relacionadas ao tema em discussão, como as secretarias que lidam com comércio exterior, com o setor produtivo e desburocratização. Nesse caso, Guedes optou por restringir as discussões à Receita e a outros poucos atores, afirmam.
O próprio ministro disse em videoconferência na última semana que restringiu o debate e não abriu consultas a especialistas porque havia risco de vazamento de informações privilegiadas.
Em mais de um relato, as queixas são de que o fisco tem interesses que não coincidem com a visão da equipe de Guedes, como a busca por ganhos de arrecadação. Para interlocutores, o órgão fiscalizador também se beneficiaria de eventual aumento da burocracia estatal, o que demanda uma estrutura maior de auditores.
Técnicos afirmam que o problema se intensificou após a escolha do relator da proposta na Câmara, deputado Celso Sabino (PSDB-PA), que é auditor fiscal e estaria alinhado ao fisco.
Procurada, a Receita Federal informou que não irá comentar. O relator, por sua vez, disse que as alegações não são verdadeiras e que os críticos verão o resultado quando o parecer for entregue.
A principal reclamação dos auxiliares do ministro é sobre os níveis elevados das alíquotas que incidirão sobre as empresas.
O texto reinstitui no país a taxação sobre a distribuição de dividendos, com alíquota de 20%, e extingue o JCP (Juros sobre Capital Próprio), outro mecanismo de repasse de recursos a acionistas e que permite uma dedução de imposto pelas empresas.
Ao mesmo tempo, a medida propõe um corte de cinco pontos percentuais do IR da pessoa jurídica, sendo 2,5 pontos no primeiro ano e outros 2,5 no segundo.
A redução foi considerada tímida. Críticos argumentam que a análise agregada do projeto indica para um aumento de tributação sobre as companhias.
Guedes tem afirmado que não possui compromisso com o erro e que o corte proposto foi realmente pequeno. Por isso, negocia uma redução maior das alíquotas com o Congresso, mas atrelou essa medida a um corte amplo de incentivos tributários de um pequeno grupo de empresas.
Membros do ministério também criticam a proposta de limitar o uso da tributação por lucro presumido, um mecanismo simplificado de apuração de imposto. Para eles, a medida dificulta a contabilidade das empresas e amplia o poder da Receita.
Segundo outra fonte, o IR não é o principal alvo de reclamações do empresariado, mas sim a burocracia. Por isso, na visão desse auxiliar, o ministério estaria fazendo de afogadilho uma reforma que não é prioritária para o setor privado e deixando de fazer o que é de fato importante, que seria a simplificação do sistema de cobrança.
Um membro da pasta afirma que é muito difícil aprovar uma reforma estruturante no terceiro ano de mandato presidencial e que, por isso, o ideal seria criar uma comissão de alto nível para debater o tema e formular uma proposta a ser analisada pelo Congresso apenas no próximo governo.
Perguntado sobre o resultado da proposta, o secretário especial de Produtividade, Emprego e Competitividade, Carlos da Costa, que faz contato direto entre a pasta e empresários, não apresentou sua posição pessoal. Ele disse, no entanto, que tem levado a Guedes as preocupações relacionadas à medida.
Segundo o secretário, se a reforma tiver pontos contrários à desoneração do setor produtivo e à radical simplificação do sistema, toda a pasta, inclusive Guedes, será contra a medida.
"No passado, já corrigimos o caminho. O liberal é evolucionário por isso, porque é humilde a ponto de reconhecer que não é o dono da verdade. A verdade emerge do debate", afirmou.
Na quarta, o ex-secretário de Desburocratização e Gestão da pasta Paulo Uebel disse que a proposta de Guedes é um erro, não fortalece o cidadão, não limita poderes arbitrários da Receita e não reduz a carga tributária.
O texto também é combatido pelo ex-secretário da Receita de Guedes Marcos Cintra. Para ele, a medida trará efeitos nocivos.
"As pessoas jurídicas nacionais e investidores externos estão de cabelo em pé com a grande elevação dos impostos", afirmou após o envio da proposta ao Congresso.
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